Popper e o caráter hipotético do conhecimento científico
“Acredito que valeria a pena
tentar aprender algo sobre o mundo, mesmo que, ao fazé-lo, descobríssemos
apenas que não sabemos muita coisa. Esse estado de ignorância conhecida poderia
ajudar-nos, em muitas das nossas dificuldades. Vale a pena lembrar que, embora
haja uma vasta diferença entre nós no que respeita aos fragmentos que
conhecemos, somos todos iguais no infinito da nossa ignorância.”[1]
Karl Popper
Além de
oferecer mais conhecimento sobre a realidade, a ciência tem propiciado o
desenvolvimento tecnológico e a produção de equipamentos que facilitam o modo
de vida humano. Isso porque corresponde à vontade humana de saber cada vez mais
sobre o mundo. Sendo assim, ciência sempre existiu. Mas, sua definição e
consequente modo de produção de conhecimento passaram por muitas variações.
Diante da
diversidade de teorias, aquela que é aceita costuma apresentar vantagens sobre
as demais concorrentes. O problema então é: qual teoria científica deve ser escolhida?
Como escolher?
Karl Popper
apresentou um critério de definição de ciência, uma teoria da pesquisa
científica que viabiliza a escolha de um método; tal escolha remete ao critério
de demarcação, ou seja, à possibilidade de se examinar a falseabilidade dos
enunciados por meio de regras. Desse modo, um “cientista genuíno” deve ser
antidogmático, pois, (...) “na busca
da realidade, talvez seja melhor começar pela crítica das crenças mais
enraizadas.” [2]
O critério que define ciência então é: a teoria
científica deve ser passível de refutação; “para ser científica, uma
teoria precisa ser criticável ou falsificável empiricamente – isto é, precisa
ser uma teoria que possa ter sua falsidade atestada por evidências, testes
empíricos (...), se um enunciado não for logicamente falsificável dessa
maneira, não poderá ser considerado científico.”[3] Portanto,
ciência não é sinônimo de certeza, o conhecimento científico pode e deve ser
submetido a refutações por ser hipotético.
Convém
observar que uma teoria não perde o estatuto de científica após ser refutada,
por mais que pareça absurdo um enunciado - tendo sua falsidade constatada - ser
considerado científico. O mesmo não ocorre no caso da tautologia, ou de
enunciados que não podem ser testados. A verdade ou falsidade da teoria é menos
importante do que a possibilidade de ser testada e refutada. Dessa maneira,
Popper condena a visão positivista do conhecimento científico. Não há verdade
absoluta, não há certeza na ciência, tudo pode ser refutado.
Mas, a forma
lógica do enunciado não garante que seja refutável, pois, pode ser que nunca
seja testado e, com isso, mantido. Muita vez o pesquisador protege sua teoria
com unhas e dentes, utilizando estratagemas diversos, por exemplo, apresentando
uma proposição ad hoc a uma refutação
possível. No entanto, reiterando o critério popperiano, para preservar o
estatuto de ciência – e evitar a postura positivista com “a ideia de que a
verdade está situada além da autoridade humana”[4] –
a teoria deve manter sua condição de refutável.
A fórmula da
pesquisa científica compreende, então, dos seguintes passos: a um problema
abordado (1), uma solução hipotética é apresentada (2); e, para que seja válida
– provisoriamente – essa solução é submetida a testes constantes (3). Se tal
solução não passar em algum teste, outra hipótese é apresentada.
Por exemplo, o
modelo descritivo do sistema solar, da União Astronômica Internacional (UAI), considerou Plutão como sendo o
nono planeta, desde que foi descoberto, em 1930. Hipótese que prevaleceu
até 1996, quando houve uma redefinição do termo “planeta”, por conta de
inúmeros objetos descobertos em observações, e Plutão passou, então, a ser
tratado com um planeta anão, em virtude de suas características. Embora essa
decisão seja aceita pela comunidade científica, há pesquisadores que pretendem
encontrar evidências que permitam manter o estatuto de Plutão como planeta, o
que é possível, considerando essa visão de ciência de Popper.
O
desenvolvimento da ciência resultaria do processo de tentativa e erro; hipóteses
são propostas como solução de um problema e, após serem refutadas, são
substituídas por novas e melhores hipóteses, mais resistentes aos testes. “O
critério de falsificabilidade foi originalmente preconizado como um definidor
de ciência que, paralelamente, definiria também um modelo de escolha entre
teorias.”[5] O
método de definição de ciência e de escolha de teorias não se restringe ao
universo da pesquisa, conforme sugere Popper no belíssimo texto : “As origens do conhecimento e da ignorância.”, é abrangente a todas as situações da vida humana, nas relações
sociais, na política. Implica numa atitude mais humilde - e crítica - de abrir
mão de convicções diante de argumentos melhores.