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sábado, 21 de dezembro de 2019

Filosofia e Ciência

As palavras indagar e investigar são palavras muito caras tanto para Filosofia quanto para Ciência.
Logo, a pergunta: qual a relação entre Filosofia e Ciência? Tem no meio filosófico, sobretudo, uma resposta trivial. Isto porque a filosofia não possui um objeto estritamente próprio, um objeto específico de investigação sua; como ocorrem nas várias ciências particulares (como a Física, a Química etc). A bem da verdade, "qualquer coisa", qualquer problema humano (e na Antiguidade até problemas formais ou naturais) pode ser objeto da reflexão filosófica.
Mais modernamente a relação entre filosofia e ciência ganhou uma importância fundamental. Conforme o filósofo da ciência Thomas Kuhn, isto pode ser explicado por uma mudança de paradigmas.
Porém, a meu ver, o filósofo que melhor classifica esta mudança é o francês Gaston Bachelard. Segundo Bachelard, a Filosofia da Ciência passa no século XX por uma verdadeira revolução copernicana. Segundo sua análise, a partir das teorias modernas como a relatividade, a teoria quântica e outras, torna-se necessário uma inversão completa no vetor da informação. Desde estas revoluções é a Ciência que passaria a informar a Filosofia. Supondo que se pretenda construir uma filosofia "contemporânea da Ciência".
Nos links a seguir compartilho um artigo de divulgação científica. Neles, o texto relata os resultados inicias de uma investigação no campo da Neurociência. Embora os resultados ainda sejam parciais (e, portanto, inconclusivos); ele no permite vislumbrar avanços significativos no conhecimento da fisiologia do cérebro com implicações inclusive de ordem cognitiva.
Logo, temos aqui um "problema" que também pode ser filosófico. Na medida em que a investigação cientifica nos leve a um conhecimento mais profundo da natureza humana, da fisiologia do cérebro e de seu funcionamento (Por que não!?). Admitir isto pode significar esta em consonância com aquilo que Bachelard propõe.
Você concorda?

Escreva ai abaixo suas duvidas, ideias e reflexões.




domingo, 22 de novembro de 2015

Notas sobre obstáculos epistemológicos


Creio que provavelmente uma das boas contribuições que o filósofo Gaston Bachelard legou para a posteridade filosófica tenha sido seu conceito de “obstáculo epistemológico”. Porém, quando se busca apreender na obra epistemológica do filósofo francês o sentido dado pelo mesmo ao conceito de obstáculo epistemológico, a primeira impressão é, para a maior parte dos leitores, que não se trata de uma; mas de várias definições para o mesmo conceito. Entretanto, arriscamos a afirmar que muito embora, sob certo aspecto, o filósofo faça realmente variar "os conceitos", de tal sorte que não se possa eliminar de maneira definitiva esta impressão, muito provavelmente ela é um tanto apressada.
Estas "supostas" variações podem ser equivocadamente extraídas sobretudo de uma consulta rápida e superficial a algumas de suas obras; porém, uma análise mais detida pode revelar justamente o contrário, isto é, seu verdadeiro intento.
É o que se pode inferir daquelas obras onde o epistemólogo abordado o tema de maneira especifica, como, por exemplo, na obra A formação do espirito científico, de 1938. Porém, seu desapego a fixidez, a rigidez dos conceitos constitui justamente o aspecto intrinsecamente polêmico, que marca de uma obra que tem no conflito, na desconstrução e na ressignificação dos conceitos sua característica fundamental.

Ora, se como define o filósofo “uma ideia clara dentro de um domínio de investigações pode deixar de iluminar em outro domínio” (BACHELARD. El compromiso), a ressignificação dos conceitos deve caracterizar o trabalho essencial e primeiro do exercício filosófico.
Por esta razão, quando o sujeito ingênuo presume um conhecimento adquirido, imagina-o muitas vezes como um edifício rigidamente construído, cuja estrutura jamais poderá ser abalada. Pensa ter chegado a um principio da razão, semelhante àquele principio cartesiano do cogito. Dentro da lógica epistemológica de Bachelard, esta ideia é a um só tempo sedutora e perigosa.
Perigosa, sobretudo para o homem que se pretende contemporâneo da ciência.
Aqui esta a contribuição e a razão da índole polêmica da filosofia cientifica de Gaston Bachelard. Para o filósofo cada novo conhecimento na ciência altera toda a estrutura da ciência o que exige por sua vez uma ressignificação dos conceitos, principalmente, no campo da filosofia da ciência, suponde que esta disciplina pretenda manter-se em dialogo constante com o conhecimento científico de seu tempo.

É interessante observar que esta proposição feita primeiramente por um filósofo da ciência no início do século XX, tenha consonância com os avanços científicos atingidos por um ramo inteiramente novo do conhecimento e da ciência  que é a neurociência.
Segundo descobertas recentes da neurociência cada novo conhecimento adquirido pelo sujeito, afeta de forma estrutural sua mente, ou seja, sua composição neuronal. Basicamente, é como se a entrada de um novo elemento (conhecimento, informação ou dado) levasse a uma completa reorganização da estrutura cognitiva como um todo - esta característica recebe o nome de ‘plasticidade neural e cognitiva’.
Há nessa descoberta a desconstrução definitiva da imagem do conhecimento como edifício. A partir daqui o conhecimento ganha, como postulava Bachelard, uma forma móvel, uma estrutura complexa e dinâmica, sujeita a constantes ressignificações. Conforme o filósofo: “O conhecimento científico se constrói em reconstrução, isto é, na medida em que destrói aquele conhecimento já edificado.” (BACHELARD, Le nouvel esprit scientifique)

Neste sentido, o conservadorismo é identificado não somente como uma categoria perniciosa em suas vinculações culturais, mas principalmente em suas vinculações epistemológicas. Numa de suas denúncias o filósofo afirma que conservadorismo e avareza são categorias solidarias que constituem verdadeiros obstáculos epistemológicos, como se pode verificar no trecho a seguir:
“Mesmo na mente lúcida, há zonas obscuras, cavernas onde ainda vivem sombras. Mesmo no novo homem, permanecem vestígios do homem velho. Em nós, o século XVIII prossegue sua vida latente; infelizmente, pode até voltar. Não vemos nisso, como Meyerson, uma prova da permanência e da fixidez da razão humana, mas antes uma prova da sonolência do saber, prova da avareza do homem erudito que vive ruminando o conhecimento adquirido, a mesma cultura, e que se torna, como todo avarento, vitima do ouro acariciado.” (BACHELARD, A formação.)
Deste modo, podemos concluir por hora que a aparente falta de unidade, a aparente indefinição dos conceitos em Bachelard tem um proposito absolutamente claro, indicar um caminho para uma epistemologia parceira da ciência de seu tempo. E portanto, sua complexa definição do conceito de obstáculo epistemológico pretende atender uma exigência metodológica sua – harmonizando a definição ao contexto de construção ou descoberta do conhecimento científico.

1934. nouvel esprit scientifique. Paris: PUF. (Tradução brasileira de Joaquim José Moura ...(et al.). – 2ª ed. – São Paulo : Abril Cultural, 1984. Col. Os Pensadores)
1938. La formation de lésprit scientifique: contribution  à une prychanalyse de la connaissanceobjective. Paris: Vrin. (Tradução brasileira de Estela dos Santos Abreu. – Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.) 

1972. L’engagement rationaliste. Coletânea póstuma de textos, prefácio de G. Canguilhem, PUF. (Tradução espanhola de Hugo Beccacece. – Mexico: Siglo Veintiuno, 1985.)

domingo, 30 de agosto de 2015

Ensaio sobre o acaso ou Não existe acaso?

O acaso segundo os supersticiosos (Parte I)

Tenho uma amiga e colega de trabalho que não acredita em “acaso”. Segundo sua visão mística do mundo, todos os fatos estão misteriosamente “conectados”. Até aqui sem problemas. Porque, o misticismo e a superstição têm sido uma marca permanente da cultura popular ao longo dos séculos. E sobre tudo, constitui uma característica típica do senso comum.
O que causa estranhamento é imaginar como ela consegue conciliar essa visão de mundo com sua formação de cientista (social)? Como é possível afirmar a validade de uma explicação científica dos fatos ou fenômenos sociais, admitindo ao mesmo tempo haver conexões ocultas e transcendentais que escapam a capacidade de penetração e abstração dos mais perspicazes dos sociólogos? Eles não são infalíveis sabemos; porém, esta constatação não nos permite invalidar todo seu arcabouço teórico. Ao passo que admitir que existam conexões ‘ocultas’ ou sobrenaturais que expliquem ou determinem o funcionamento da natureza invalidaria qualquer proposição teórica ou científica.
Esta contradição opõe de forma clara e irremediável estas duas visões de mundo, a científica e a religiosa ou supersticiosa. Trocando em miúdos, temos de um lado, uma visão de mundo que nega de forma peremptória a existência do acaso (ou ao menos em certas ocasiões), admitindo haver conexões ocultas entre fenômenos aparentemente desconexos, mas, sobretudo, afirmando que o elo entre fenômenos que coincidem encontram-se não no plano da explicação material da realidade; mas num plano imaterial, melhor dizendo, num plano espiritual, sobrenatural da realidade.
Do outro lado, teríamos que aceitar que parecesse, no mínimo, estranho aos olhos e soasse ao menos absurdo aos ouvidos de um Comte, de um Max Weber, de um Durkheim, e, sobretudo ao intelecto ardiloso do velho Marx a admissão da existência de uma "força" sobrenatural explicando e determinando o funcionamento dos fenômenos naturais. Mesmo admitindo que, para algum destes ‘cientistas sociais’, houvesse realmente alguma conexão entre eventos aparentemente distintos da realidade social, ou seja, “que não houvesse acaso”, tais conexões seriam investigadas na "realidade" e expressas em suas elaborações teóricas por meio de abstrações formais e conceitos que teriam como objetivo desvelar o caráter ‘positivo’ do qual, em última instância seriam compostos a incógnita que conecta estes mesmos fenômenos. A exemplo, conceitos como os de “fato social”, “fenômeno social”, “condições materiais” etc., se assentam sobre princípios, causas ou leis que expressam, como dito, alguma conexão entre fenômenos dispares, e, emergem duma investigação radical acerca dos elos que constituem positivamente a tessitura social.
Bem, quando lá acima nos referimos ao termo “mística” não quisemos dizê-lo num sentido clássico, tal como a mística de um Mestre Eckhart. Consequentemente, podemos inferir que minha amiga é mística no sentido mais popular do termo. Basicamente, ela é uma daquelas pessoas que possui pedras que, segundo sua visão supersticiosa do mundo, concentram energias “cósmicas”, uma pessoa daquelas que recita mantras, que constrói mandalas, que acredita em feitiços, correntes de pensamento positivo e coisas afins. É, enfim, uma daquelas pessoas que acredita que todas as coisas e seres estão repletos de magia e poderes sobrenaturais. É mormente uma pessoa supersticiosa. Este é o sentido ao qual me referi, à mística. Uma mistica, digamos, “bem popular”.
Pode parecer leviano comparar assim essas concepções místicas; mas, de fato, se observarmos a concepção mística popular, a superstição, verificaremos que ela soa muito mais caótica, aja vista padecer de qualquer elaboração ou organização sistemática que àquela mística que aqui denominamos de clássica. É praticamente impossível que este fato passe despercebido aos olhos de um cientista social, por exemplo, uma vez que torna evidente seu caráter desarticulado e precário. No entanto, aos olhos dos adeptos desta dita “mística popular” esta precariedade é somente aparente, pois, segundo alegam, na verdade sob este manto de precariedade e desarticulação se oculta uma complexidade tão profunda que as mentes ‘quadradas’ e ‘formatadas’ dos estudiosos são “incapazes de alcançar”. Neste sentido, argumentam ser coisa para iniciados. Outros dizem - com certo ar de superioridade, esta mística complexa e popular se aproxima da física quântica na medida em que demonstra-se profundamente quase que incognoscível! Quem diria física quântica....
Bem, voltando ao “acaso”. No sentido em que afirma minha amiga, neste sentido, se você for a um lugar e ‘trombar’ com uma pessoa a quem muito estima e que há anos não via, “isto”, este evento certamente possui uma explicação transcendental, uma vez que não acontece por acaso. Segundo elas, haveria uma força oculta, conspirando para que esse encontro acorresse. Neste mesmo sentido, podemos considerar que se você caminha descontraído por uma calçada e, de repente, numa curva, numa esquina, uma telha se desloca do telhado de uma casa e cai sobre sua cabeça, isso não ocorre por acaso. Muito embora você não tivesse nenhuma ligação ou estivesse pensando na telha ou coisa parecida. Este fato que podemos considerar um acidente trágico, não acontece, segundo esta concepção ‘mística e complexa’, "por acaso”. Aconteceu por que tinha que acontecer! É como se sua trajetória e a da telha tivessem sido pré-estabelecidas, pré-determidas desde há muito tempo por forças estranhas; por forças alheias a sua vontade e ocultas a sua consciência. O que neste contexto místico e complexo faz bastante sentido, uma vez que as coisas no mundo estão absolutamente emaranhadas nas redes de um tecido do qual somente os místicos, os iniciados fazem alguma ideia.
Buscando desemaranhar esta concepção de mundo, esta concepção de realidade, poderíamos justapor o conceito de “coincidência” presente no não tão popular dicionário Houaiss. Neste dicionário coincidência significa: “ato ou efeito de coincidir; igualdade, identidade de duas ou mais coisas; ocupação do mesmo espaço; justaposição; realização simultânea de dois ou mais acontecimentos; simultaneidade; ocorrência de eventos que, por acaso, se dão ao mesmo tempo e que parecem ter alguma conexão entre si; concorrência de coisas para um mesmo fim”.
Ora, neste sentido, o mundo esta evidentemente repleto de coincidências. Por exemplo, agora eu me encontro diante do computador escrevendo; pode parecer ridículo, mas é uma coincidência no mesmo sentido que é asseverado na definição do Houaiss.
Sendo assim, podemos verificar que ocorre o tempo inteiro um sem número de coincidências às quais não damos a menor atenção, em contraposição há um número absurdamente pequeno, diria eu quase escasso, de coincidências que, em circunstancias particulares, nos chamam atenção, somente a estas chamamos de "não acasos" e atribuímos significado especial. Assim, percebe-se aqui que é absolutamente arbitrário os casos em que atribuímos significado às coincidências. Basicamente, é o sujeito quem decide que ou quais coincidências ele chamará de "não-acasos”.
Bem, o ser humano vive num universo que é extremamente simbólico. Aliás, como bem verifica Levi-Strauss, estamos imersos numa estrutura tal que não é possível dissociar o fundo cultural e social do individuo. Ousaria dizer que na concepção estruturalista, o fundo é “no fundo” o individuo. Fato que justificaria nossa busca quase que incansável por sentido, por um sinal em tudo o quanto vivenciamos. Sob este aspecto, não é exagero afirmar que o homem é por natureza um ser de símbolos, um animal simbólico, cujas ações mais fundamentais consiste em atribuir símbolos, signos e significados às coisas. É sua condição subjacente, àquilo que ousamos denominar de “natureza humana” (num sentido cultural)... 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Filosofia da ciência: conhecimento e opinião

Filosofia da ciência: conhecimento e opinião

A busca de compreensão da natureza do conhecimento é iniciada, no diálogo Teeteto, de Platão, por considerar as sensações (aparências) como fonte, o que é rechaçado pelo relativismo resultante. Em seguida, é empreendida uma distinção entre conhecimento, que é dotado de uma justificação racional, e opinião verdadeira, sem uma justificação racional. Essa justificação racional implica um sistema explicativo, “conjuntos de hipóteses unificadas e organizadas de acordo com princípios, compartilhados por uma comunidade de pesquisadores, os quais possibilitam a justificação racional de opiniões verdadeiras, bem como a previsão da ocorrência de eventos no mundo.”
Dessa forma, chega-se a uma caracterização provisória - operacional - de conhecimento: “crença verdadeira racionalmente justificada no interior de um sistema explicativo.” Provisória porque a justificativa racional exige outra justificativa racional, e assim ad infinitum.
            Na História da Filosofia Antiga e Moderna, uma característica é recorrente, a ideia de se evitar o preconceito – inclusive da opinião – e, por “maiêutica”, indução, intuição, método, associação de  ideias e outros recursos, encontrar o conhecimento, ora com o apoio dos sentidos, ora, do intelecto.
            Descartes, e outros racionalistas, apresenta como ponto de partida do conhecimento a intuição de ideias inatas, cuja clareza e distinção – bem como procedência divina - as tornam evidentes à razão, de inabalável verdade.
            O discurso científico, herdeiro dessa ideia cartesiana de produção metódica de conhecimento seguro, sobretudo o positivista, tradicionalmente aparece como alternativa ao conhecimento comum (sem justificação racional), numa relação de oposição e confronto. Alguns filósofos – minoria - rejeitam essa separação e enfatizam a contribuição do conhecimento comum ao pensamento filosófico e científico.

            A “caracterização operacional” do conhecimento, usada como recurso à falta de definição filosófica, indica certo descompasso entre os discursos filosófico e científico e as práticas cotidianas quando se tenta uma diferenciação entre “conhecimento” e “ mera opinião”, até porque é possível constatar aspectos compartilhados por ambos.

domingo, 23 de março de 2014

RESENHA de KUNTZ, Rolf. Fundamentos da Teoria Política de Rousseau. São Paulo, Barcarolla, 2012.

RESENHA:
KUNTZ, Rolf. Fundamentos da Teoria Política de Rousseau. São Paulo, Barcarolla, 2012.

Marcelo Caetano da Silva

A dissertação de Kuntz destaca a qualidade e a dificuldade de entendimento do aspecto teórico - ao qual a retórica estaria servindo - na obra de Rousseau, relacionando o estilo do genebrino com o desenvolvimento do pensamento científico da época das luzes. “A linguagem rousseauniana pode ser enganadora. A retórica seduz o leitor e desvia sua atenção, com frequência, de aspectos essenciais da obra.” (KUNTZ, p. 11) A ênfase à teoria principia com o estudo do segundo Discurso, o qual tenta resolver uma questão chave, ao tratar da “construção teórica: (...) como proceder, quando é impossível o recurso a uma experimentação semelhante à das ciências da natureza?” (KUNTZ, p. 12)
Um dos recursos metodológicos é a historiografia, inclusive relatos de viajantes, para a elaboração de teorias sobre as fases de desenvolvimento sócio-político; por exemplo, Rousseau não se furta à racionalidade de seu tempo, aos procedimentos “científicos”, como recurso à experiência. Kuntz observa que essa interpretação foi inspirada por Robert Derathé.
Para criticar a antropologia hobbesiana, Rousseau define o “homem no estado de natureza” como sendo desprovido de “racionalidade”, que seria, então, apenas potencial nessa fase, pois o indivíduo vive o momento, sem projetos futuros, o que inibe conflitos de interesse de longa duração. Por isso não se pode considerar como estado de guerra permanente essa condição, quando não foram desenvolvidos vícios - o que ocorre por intermédio da sociabilidade depois - para alimentar uma disputa constante; e nem mesmo as faculdades características do ser humano, como a linguagem foram aprimoradas.
É o aperfeiçoamento da racionalidade que resultará em conflitos e, também, na solução política dos mais espertos, que combinam astúcia e violência para garantir seus interesses e gerar diferença econômica e, com isso, ampliar a desigualdade, a injustiça.
A solução proposta no Contrato pretende que o monopólio da força assegure o interesse público e também preserve a liberdade dos cidadãos. As leis impõem aos indivíduos o respeito à coletividade que fundamenta sua identidade civil; e para que todos possam usufruir das benesses do Estado é imperativo que a cidadania seja exercida. “A teoria da vontade geral dá um novo sentido e uma nova expressão ao velho tema da sujeição à lei como condição de liberdade.” p. 18
Há muita disparidade de entendimento sobre a obra de Rousseau, ao ponto de muitos críticos não reconhecerem seu caráter teórico, conforme indica Rivelaygue. Não são poucos os que aplicam os mais diversos rótulos a Rousseau: revolucionário, literato, romântico, pedagogo, racionalista, beato; ligando sua obra a inúmeros interesses ideológicos, a despeito do rigor conceitual ignorado.
Uma das construções mais difíceis é a relação entre “razão” e “consciência”, que aparece no Emílio, quando Rousseau critica o obscurantismo e propõe uma combinação entre fé e razão; rejeita a oposição entre sensibilidade e razão e propõe uma “consciência moral” como conceito fundamental que coaduna vários aspectos da teoria: religioso, epistemológico, político, crítica ao fanatismo. De forma corajosa e inovadora indica a razão como juiz natural das escrituras e recusa a autoridade - principal “recurso teórico” dos religiosos - da Igreja, em favor de uma religião natural, de um sujeito autônomo.
O racionalismo de Rousseau não rejeita a fé, apenas os “mistérios que afrontam a razão; (...) a razão individual deve ser um guia para a religião de cada homem; no entanto, o homem pode, sem contradição, aceitar verdades que ultrapassam a esfera estrita do racional.” (KUNTZ, p. 36) O aspecto importante, nesse ponto, é a oposição entre a religião natural defendida e a religião original da Igreja autoritária.
A causa do erro não é propriamente a fé, mas a confusão entre razão e imaginação, o orgulho, a insuficiência do entendimento sobre objetos inacessíveis, como Deus, alma, eternidade; “mistérios impenetráveis nos cercam de todos os lados; eles estão acima da região sensível; para penetrá-los acreditamos ter a inteligência e não temos senão a imaginação”. A epistemologia de Rousseau condena as operações que comparam, julgam relações - equivocadamente - que não representam as sensações-objetos, a verdade; “é o abuso das nossas faculdades que nos torna infelizes e perversos.” (Rousseau, O.C., IV, Émile, pp. 568 e 587, apud KUNTZ, pp. 38-9) Os objetos inacessíveis à razão são arbitrados pelo “sentimento interior”, que determina se são passíveis de crença ou não. Vide os dogmas da religião natural.
Derathé aponta a mistura entre sentimento interior e consciência, percebendo a relação entre os princípios da fé e da moral, justiça, virtude. A consciência se manifesta por intermédio de dois sentimentos - inatos - basilares da moral, cuja possibilidade a razão tende a instituir no direito positivo. A fundamentação metafísica do “bem” guarda estreita relação com a natureza, ordem sagrada.
Kuntz observa que o conceito de “natureza” - aquilo que pode ser contemplado pelos sentidos, o “movimento regular” mantido por Deus, caracterizado como vontade e inteligência - é fundamental, requisito a uma aproximação correta à filosofia política de Rousseau.
O movimento espontâneo dos seres humanos resulta da vontade livre, sentimento interior que é um dos indicativos da consciência. Para bem compreender os fundamentos da moral, convém, então, ter em boa conta os dogmas - artigos de fé - da religião natural:
            1º: “os corpos inanimados não agem senão pelo movimento, e não há verdadeira ação sem vontade (...) uma vontade move o universo e anima a natureza.” (Rousseau, O.C., IV, Émile, pp. 576, apud KUNTZ, p. 52)
            2º: “Se a matéria movida me mostra uma vontade, a matéria movida segundo certas leis me mostra uma inteligência.” (Rousseau, O.C., IV, Émile, pp. 578, apud KUNTZ, pp. 53)
            3º: a liberdade humana é condição sine qua non à manifestação da vontade e prioritária em relação à necessidade de ordenação por leis.
Há uma racionalidade no universo, percebida - pela consciência - em sua “ordem” necessária ao fim inescrutável pela razão humana. Sendo assim, a racionalidade humana também depende da consciência. A “natureza”, portanto, é o todo ordenado de forma harmônica, equilibrada, sagrada.
O ser humano faz parte da natureza, da criação, mas sua vontade, espontaneidade, o torna responsável por suas ações, inclusive pelo mal. A virtude aparece como submissão ao impulso natural, à lei de conservação, aos sentimentos, à ordem divina. A consciência surge do sistema de conservação e dos sentimentos inatos, “amor de si”, “medo da dor”, “horror da morte” e “desejo de bem-estar”. Sendo assim, Deus é uma referência moral, é vontade do bem, lei natural; “amor da ordem”: bondade que a gerou e justiça que a mantém. Dessa ideia de Deus decorrem ideias do mundo natural e do universo humano. À harmonia do universo corresponde a harmonia do homem, cuja bondade compreende a “coordenação espontânea em relação ao todo.” (KUNTZ, p. 65) A bondade humana diz respeito ao amor de seus semelhantes, impulso natural da consciência, e ao sentimento de autoconservação. O mal, por outro lado, é “introdução de uma desordem, que se revela na superposição do interesse particular ao impulso para o bem geral. Daí a ideia do mal ser proveniente do convívio social - pois a natureza humana é boa - e sua remediação depender da política. (KUNTZ, p. 65)
A política é uma preocupação crucial na filosofia de Rousseau, pois é o caminho da redenção humana: “Percebi que tudo depende radicalmente da política (...) qual é a forma de estado mais apropriada para fazer um povo virtuoso, ilustrado, em uma palavra, tão perfeito quanto seja possível, no sentido mais alto do vocábulo?” (Rousseau, O.C., I, Les Confessions, IX, p. 404, apud KUNTZ, p. 66)
Há, portanto, uma relação intrínseca entre a filosofia política e uma filosofia religiosa no pensamento de Rousseau, relação que explica o fundamento da moral da constituição humana e da constituição do Estado, entendido como tentativa de imitar Deus, forjando uma ordem que seja capaz de mudar a natureza humana para moldá-la à vida em sociedade.
Rousseau foi inspirado por muitos pensadores que tanto contribuíram com a formação de sua filosofia política, quanto com sua ruptura com o modelo de sociedade política em voga; cujo poder era comprometido com a manutenção de privilégios, da desigualdade. Nesse sentido Rousseau é considerado por muitos como o filósofo do povo.
Existe um discurso tradicional, dirigido ao povo para enganá-lo, que mitiga direitos e enfatiza deveres, e outro dirigido aos poderosos, dos quais se espera recompensas: dinheiro, cargos, títulos etc. A filosofia política de Rousseau - “dos infelizes” - o tornou repulsivo aos “felizes”. A filosofia dos felizes, dos ricos, convenientemente fundamenta o direito na prática existente, ou seja, “toma o fato pelo direito”; o fato é assumido como natural adotado como fundamento; raciocínio usado, por exemplo, para as noções de justiça, propriedade. Rousseau critica a naturalidade de alguns conceitos e submete a natureza à lei. Questiona ideias e práticas, as doutrinas que justificam um falso bem comum, o aparente. Pois a “ordem aparente” - situada historicamente, logo, não é natural - sacrifica a justiça e gera a desigualdade, que por isso também não é natural. “A história da desigualdade é, portanto, a história da alienação, da divisão do homem em real e aparente.” (KUNTZ, p. 81)
Na crítica ao jusnaturalismo, Rousseau avalia o que é o “homem natural”, considerando o que é essencial do que foi adicionado historicamente. Desenvolve um pensamento “científico” - por intermédio da observação e experiência - para buscar a essência humana na variedade étnica de artificialidades. Por exemplo, na nota X do segundo Discurso, enfatiza a importância de expedições “etnológicas”.
Sintetizando a definição, o “humano” depende do ambiente e das respostas dadas às suas necessidades vitais. Da adaptação humana às condições naturais surge a diversidade cultural. As necessidades humanas, tal como aparecem no segundo Discurso, são duas: 1 - naturais, atinentes à sobrevivência, do mesmo modo que afetam os animais; e 2 - artificiais, provenientes da razão e das paixões.
As paixões “se originam ou das necessidades naturais ou das ideias que os homens possam conceber a respeito das coisas.” Daí a grande diversidade, sobretudo daquelas oriundas das ideias, que aumentam e mudam constantemente.
Dessa “antropologia” surgem leis gerais da evolução humana:
            1ª: “É pela atividade das paixões que nossa razão se aperfeiçoa (...) as paixões, por sua vez, originam-se das nossas necessidades, e progridem com os conhecimentos.” (Rousseau, O.C., III, Discours sur l’origine de l’inégalité, p. 143, apud KUNTZ, p. 94)
            2ª: “(...) em todas as nações, os progressos do espírito são precisamente proporcionados às necessidades que os povos receberam da natureza ou às quais as circunstâncias os sujeitaram, e, por conseguinte, às paixões, que os levam a prover a essas necessidades.” (Rousseau, O.C., III, Discours sur l’origine de l’inégalité, p. 143, apud KUNTZ, p. 95)
Aos desafios das necessidades, cujas circunstâncias variam, os homens respondem com sua capacidade de reflexão - visando à satisfação, certo “equilíbrio” - que também varia, por causas diversas que teimam em quebrar a ordem alcançada, e, assim, indica as transformações humanas perceptíveis historicamente.
O equilíbrio do homem natural é contínuo, e assim é pela sua experiência de um “eterno presente”: “seus desejos não ultrapassam suas necessidades físicas, e os únicos bens que conhece, no universo, são o alimento, uma fêmea e o repouso.” (Rousseau, O.C., III, Discours sur l’origine de l’inégalité, p. 143, apud KUNTZ, p. 98) Ele vive o presente oferecido pelas sensações, sua consciência permanece adormecida. Suas necessidades são satisfeitas facilmente, pois são simples. Desse modo, não tem projetos futuros para além de um dia. “A imediatez das relações é total.” (KUNTZ, p. 98) As disputas são imediatistas e resolvidas prontamente; não dá pra se considerar a possibilidade de um estado de guerra generalizada, como proposto por Hobbes. As relações com a natureza e seus semelhantes são relativamente amistosas, muitíssimo mais singelas se comparadas ao momento posterior, quando a razão se tornar predominante e, consequentemente, os conflitos, que se tornarão prolongados. Prevalece, então, o impulso da conservação e o sentimento de piedade nesse homem natural. Não há predisposição para prejudicar o semelhante. Convém observar que inexiste um caráter moral, pois o homem natural só pode conhecer o bem e o mal por intermédio do convívio social, ou seja, “é apenas constitucionalmente bom, no mesmo sentido em que se pode afirmar que a criação é boa, porque vem de Deus, (...) [aliás] a bondade natural se refere a certo tipo de relação espontânea entre o homem e a totalidade criada por Deus.” (KUNTZ, p. 102)
Na elaboração dos fundamentos e da ordem naturais, Rousseau recusa a história, as teorias baseadas na história, a observação, os fatos e a pesquisa do desenvolvimento biológico, o que não significa descartar a pesquisa empírica, mas estabelecer um critério para interpretar a experiência, a história mesma, tendo em vista “a possibilidade de construir, de modo negativo, o conceito de estado natural.” (KUNTZ, p. 104)
Assim como a natureza proveu o homem inocente de tudo o que necessitava, também lhe impôs condições adversas, provocando alterações em sua constituição natural. A façanha teórica planejada era desenvolver um método, uma filosofia da história, para compreender as transformações do universo humano por intermédio de um modelo, seguindo o exemplo da ciência da natureza, que decifrava o mundo com as leis da mecânica. Esse modelo do homem natural apresentou a seguinte definição: homem ideal, despojado de reflexão, dependente apenas dos instintos e das “leis do coração”. Certamente, as alterações maiores desse modelo ocorreram por intermédio da vida em sociedade. Parece interessante notar que, embora Rousseau tenha tirado proveito dos relatos de viajantes, das notícias sobre os povos nativos do mundo afora, “Durkheim observa que o próprio selvagem, para Rousseau, representa apenas imperfeitamente o homem natural.” (KUNTZ, p. 107)
A inovação da teoria do Estado contratualista de Rousseau está no conceito de “alienação, representado pelo autodesconhecimento das classes dominadas.” (KUNTZ, p. 114)
Kuntz cita Hume, lembrando o quanto é surpreendente que muitos se sujeitem ao governo de poucos, inclusive renunciando à vontade própria para favorecer o governante. E a explicação desse fenômeno seria – ainda conforme Hume – a força da opinião. Rousseau também compartilha esse raciocínio, mas relaciona a opinião que mantém os governos ao engôdo, à demagogia. Exemplo disso é o discurso fundador da sociedade, e da propriedade privada também (!), que mostra o nível de alienação e inocência daqueles que foram enganados, oprimidos, condição oportuna para favorecer o opressor e as leis que reforçam a desigualdade.
As leis apreciadas no segundo Discurso são um instrumento dos ricos para dirimir os conflitos com os pobres, por conseguinte, como um recurso para assegurar privilégios. O pacto que viabilizou a sociedade que adota tais leis representa – ilusão à parte – a instituição de um estado de guerra formal, ao invés de um Estado político; esse pacto proposto pelos espertos propicia a elaboração de uma falsa justiça e representa, assim, a violência do poder do rico sobre a opinião pública – vontade popular – subjugada.
A combinação de “cegueira e simplicidade” da maioria é que possibilita a formalização do contrato viciado, legalizador de inúmeros abusos e da progressão geométrica da desigualdade. Esse falso direito instituído, no extremo, leva os cidadãos à desordem, ao estado de guerra.
A fundamentação do poder legítimo depende do consentimento manifesto por “certa relação entre consciências”, no caso do segundo Discurso, em “desnível”, que “se revela, basicamente, na diferente capacidade de previsão, na percepção que cada parte possui de seus interesses reais, e na capacidade de persuasão.” (KUNTZ, p. 119)
A linguagem é o modo pelo qual se exercita a política; seu emprego varia conforme a conveniência, sendo essencial para persuadir os pactuantes sobre a importância da lei, daí o papel decisivo do legislador para forjar as convenções, a ordem social. O convencimento do povo é um momento crucial para se legitimar a autoridade – bem como o dever de obediência – que perpetuará a desigualdade. “A legitimidade depende do conjunto de crenças necessárias para instituir o direito e fornecer o suporte final para o exercício e a própria existência de uma autoridade estável.” (KUNTZ, p. 122)
Pelo rumo do raciocínio, o que pode comprometer a legitimidade do contrato é a desigualdade, que em última instância “causa a perda da liberdade, colocando uns homens na dependência de outros.” (KUNTZ, p. 123) Portanto, a igualdade é um princípio caro para a garantia de liberdade, que “consiste, pois, em que não haja dependência de uns homens em relação a outros.” (KUNTZ, p. 124)
A liberdade civil é estabelecida pelas “leis tão universais e tão inflexíveis como as leis da natureza, para que todos os homens somente delas dependam.” (KUNTZ, p. 124) Esse é o modo pelo qual os cidadãos submetidos à lei evitam a dependência em relação aos outros e, ainda, favorecem a prevalência do interesse coletivo, da ordem artificial que imita a natural. A renúncia absoluta ao direito de natureza, à individualidade, é a pedra angular da formação da vontade geral, do corpo político que preservará a segurança, a propriedade e a liberdade de cada cidadão. Essa vontade geral é uma personalidade coletiva, não compreende a soma das vontades particulares, embora deva ser a vontade de cada cidadão. A liberdade civil é a verdadeira liberdade, condição para a identidade do cidadão.
Alguns princípios essenciais da religião natural são também essenciais à teoria política, pois são propícios à sociabilidade; mas, na ordenação da sociedade política, a vontade geral substitui o Deus ordenador da natureza. “É no plano social, e não no individual, que Rousseau coloca a salvação e a possibilidade de uma vida moral: é na vida coletiva, e não na esfera privada, que se pode realizar ‘a ordenação em relação ao todo’, que caracteriza a bondade e a justiça.” (KUNTZ, p. 130)
Portanto, o exercício da razão indica que a moral depende da submissão, num primeiro momento à ordem e leis naturais, depois da adesão ao contrato, à ordem instituída pelas leis positivas. A conciliação entre vida privada e pública é um dos aspectos mais sutis dessa filosofia política, que exige atenção redobrada, pois, ao mesmo tempo em que valoriza a liberdade do cidadão, “ao discutir as condições de existência de uma sociedade livre e justa, Rousseau é levado a anular – ou quase anular – a separação da vida em dois planos, o social e o individual.” (KUNTZ, p. 129) O soberano tem plenos poderes para garantir o interesse público, mas não pode ir além desse limite, que é bastante amplo por sinal; o cidadão, por sua vez, deve se submeter à coletividade para ser bom, justo e livre. “O que preocupava Rousseau, no entanto, não era a simples questão técnica de produzir comportamentos uniformes e submissos, mas, antes de tudo, o problema doutrinário de como garantir um lugar para a liberdade no espaço definido pelas relações humanas.” (KUNTZ, p. 131) Se no plano teórico o problema – que foi bem tratado – demandou um esforço intelectual que não garantiu consenso junto à posteridade, na prática soa como um problema aporético.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Há coisas que ainda precisamos "esclarecer"


A sociedade tecnológica instrumentalizou a razão e, como consequência estabeleceu um status quo, cabe a filosofia denuncia-lo na medida em que reconstrói o sentido da categoria do "esclarecimento".
Noutro dia lendo os comentários jornalísticos (diga-se de passagem da PIG) sobre a pretensão do governo federal de criar um centro de formação online para o trabalhador, cuja a finalidade, entre outras, seria promover a formação critico-politica do trabalhador, pude mais uma vez evidenciar o movimento daqueles se opõem claramente a emancipação intelectual e politica dos trabalhadores em nosso país.
Um dos críticos do programa alegava que o trabalhador não necessita ter formação politica, precisa somente dominar os métodos, técnicas e tecnologias para que o país alcance seu melhor nível de desenvolvimento e possa assim fazer frente a concorrência do mercado internacional.

Crítica de fundo evidentemente capitalista ou em nosso caso pré-burguesa, diga-se de passagem, dado que desconsidera de forma absoluta as consequências de um mundo meramente pautado pela produção/reprodução, consumo e pela desumana e anti-ambiental concorrência.

Também ignora e nega a possibilidade de emancipação ou de "esclarecimento" do homem, do trabalhador; aspecto que expõe o caráter oligárquico do patrimonialismo nacional.

Por mais que os modernos críticos do socialismo ou do marxismo torçam o nariz em admitir, este fato evidencia claramente o antagonismo que pauta as relações socais, e, mais precisamente, as relações de produção e trabalho em terras brasileiras. É bem provável que tenham razão ao afirmar que nossas relações deem-se sob o signo de outras categorias, admitamos que seja; no entanto, exageram em negar o caráter conflitante dos interesses que opõe diferentes estratos sociais.

Este fenômeno lamentavelmente arraigado na cultura oligárquica nacional, também é denunciado de forma documental pelo jornalista Laurentino Gomes, em seus três celebradíssimos compêndios de História do Brasil.


Denunciamos então que, relegar a educação e a formação do homem à uma instrução puramente tecnológica engendra não autonomia, mas, sobre tudo, a "automatia", nadificação, ou, noutras palavras, a formação de sujeitos padronizados para a submissão. Isto porque, a razão que fundamenta toda educação tecnológica esta doente, e sua doença, como afirma Horkheimer, "reside sobre o fato de que ela nasceu da necessidade de dominar a natureza". A sociedade tecnologia é a sociedade na qual o projeto de dominação da natureza, e, consequentemente do próprio homem foi ou é efetivamente realizado.

Para concluirmos esse breve comentário é conveniente lembrar que também o filósofo Nietzsche, em sua critica da civilização ocidental, denunciou o fato de a razão, um dos elementos que compõe a complexidade da realidade humana, estar a serviço da própria razão quando deveria estar a serviço da vida.

Essa polêmica coincidiu também com uma releitura que iniciei do Livro de Adorno e Horkheimer, Dialética do esclarecimento. É interessante observar a atualidade de um texto como esse:

"A disposição enigmática das massas educadas tecnologicamente a deixar dominar-se pelo fascínio de um despotismo qualquer, sua afinidade autodestrutiva com a paranoia racista, todo esse absurdo incompreendido manifesta a fraqueza do poder de compreensão do pensamento teórico atual."








segunda-feira, 22 de julho de 2013

Popper e o caráter hipotético do conhecimento científico


Popper e o caráter hipotético do conhecimento científico

“Acredito que valeria a pena tentar aprender algo sobre o mundo, mesmo que, ao fazé-lo, descobríssemos apenas que não sabemos muita coisa. Esse estado de ignorância conhecida poderia ajudar-nos, em muitas das nossas dificuldades. Vale a pena lembrar que, embora haja uma vasta diferença entre nós no que respeita aos fragmentos que conhecemos, somos todos iguais no infinito da nossa ignorância.”[1] Karl Popper


Além de oferecer mais conhecimento sobre a realidade, a ciência tem propiciado o desenvolvimento tecnológico e a produção de equipamentos que facilitam o modo de vida humano. Isso porque corresponde à vontade humana de saber cada vez mais sobre o mundo. Sendo assim, ciência sempre existiu. Mas, sua definição e consequente modo de produção de conhecimento passaram por muitas variações.

Diante da diversidade de teorias, aquela que é aceita costuma apresentar vantagens sobre as demais concorrentes. O problema então é: qual teoria científica deve ser escolhida? Como escolher?

Karl Popper apresentou um critério de definição de ciência, uma teoria da pesquisa científica que viabiliza a escolha de um método; tal escolha remete ao critério de demarcação, ou seja, à possibilidade de se examinar a falseabilidade dos enunciados por meio de regras. Desse modo, um “cientista genuíno” deve ser antidogmático, pois, (...) “na busca da realidade, talvez seja melhor começar pela crítica das crenças mais enraizadas.” [2]

O critério que define ciência então é: a teoria científica deve ser passível de refutação; “para ser científica, uma teoria precisa ser criticável ou falsificável empiricamente – isto é, precisa ser uma teoria que possa ter sua falsidade atestada por evidências, testes empíricos (...), se um enunciado não for logicamente falsificável dessa maneira, não poderá ser considerado científico.”[3] Portanto, ciência não é sinônimo de certeza, o conhecimento científico pode e deve ser submetido a refutações por ser hipotético.

Convém observar que uma teoria não perde o estatuto de científica após ser refutada, por mais que pareça absurdo um enunciado - tendo sua falsidade constatada - ser considerado científico. O mesmo não ocorre no caso da tautologia, ou de enunciados que não podem ser testados. A verdade ou falsidade da teoria é menos importante do que a possibilidade de ser testada e refutada. Dessa maneira, Popper condena a visão positivista do conhecimento científico. Não há verdade absoluta, não há certeza na ciência, tudo pode ser refutado.

Mas, a forma lógica do enunciado não garante que seja refutável, pois, pode ser que nunca seja testado e, com isso, mantido. Muita vez o pesquisador protege sua teoria com unhas e dentes, utilizando estratagemas diversos, por exemplo, apresentando uma proposição ad hoc a uma refutação possível. No entanto, reiterando o critério popperiano, para preservar o estatuto de ciência – e evitar a postura positivista com “a ideia de que a verdade está situada além da autoridade humana”[4] – a teoria deve manter sua condição de refutável.

A fórmula da pesquisa científica compreende, então, dos seguintes passos: a um problema abordado (1), uma solução hipotética é apresentada (2); e, para que seja válida – provisoriamente – essa solução é submetida a testes constantes (3). Se tal solução não passar em algum teste, outra hipótese é apresentada.

Por exemplo, o modelo descritivo do sistema solar, da União Astronômica Internacional (UAI), considerou Plutão como sendo o nono planeta, desde que foi descoberto, em 1930. Hipótese que prevaleceu até 1996, quando houve uma redefinição do termo “planeta”, por conta de inúmeros objetos descobertos em observações, e Plutão passou, então, a ser tratado com um planeta anão, em virtude de suas características. Embora essa decisão seja aceita pela comunidade científica, há pesquisadores que pretendem encontrar evidências que permitam manter o estatuto de Plutão como planeta, o que é possível, considerando essa visão de ciência de Popper.

O desenvolvimento da ciência resultaria do processo de tentativa e erro; hipóteses são propostas como solução de um problema e, após serem refutadas, são substituídas por novas e melhores hipóteses, mais resistentes aos testes. “O critério de falsificabilidade foi originalmente preconizado como um definidor de ciência que, paralelamente, definiria também um modelo de escolha entre teorias.”[5] O método de definição de ciência e de escolha de teorias não se restringe ao universo da pesquisa, conforme sugere Popper no belíssimo texto : “As origens do conhecimento e da ignorância.”, é abrangente a todas as situações da vida humana, nas relações sociais, na política. Implica numa atitude mais humilde - e crítica - de abrir mão de convicções diante de argumentos melhores.




[1] POPPER, Karl: “As origens do conhecimento e da ignorância.” In: Conjecturas e Refutações. Trad. Sérgio Bath. 2ª ed. Brasília, Universidade de Brasília, 1982. (Pensamento Científico, 1) p. 57.
[2] Idem, p. 34.
[3] TASSINARI, Ricardo Pereira e GUTIERRE, Jézio Hernani Bomfim: “Falsificacionismo”.
[4] POPPER, p. 58.
[5] TASSINARI e GUTIERRE: “Falsificacionismo”.

quinta-feira, 27 de junho de 2013


Conduta moral e sociedade

A conduta moral implica em compromisso com obrigações estabelecidas socialmente. Não as obrigações legais, pois a moral regula muitas práticas que não são tratadas pelas leis ordinárias, mas as obrigações que dependem das relações sociais (na dimensão moral) como referência para definir quais são os interesses individuais aceitáveis.

As relações morais resultam da junção de exigências morais, expectativas morais, sentimentos morais e atitudes morais que, combinadas, caracterizam a conduta moral.

Faz parte da vida moral o “direito” de condenação moral, que ocorre quando há descumprimento de convenções sociais que determinam o que é conduta condenável; conduta condenável, vista como proibida, implica em ameaça de punição. A ameaça de punição é uma necessidade para se evitar a conduta moralmente errada, que é interessante – atraente ao infrator – por resultar em algum benefício individual. Paradoxalmente, a prática do mal é um bem para o indivíduo, pois é desejável, do contrário, se fosse “algo sem nenhuma qualidade desejável, ninguém iria querer fazê-lo”.

A conduta moral recomendável é instituída por convenção e guarda estreita relação com o “contrato” firmado pelos indivíduos na formação da sociedade política. O conhecimento da conduta moral implica na percepção das atitudes morais e das exigências morais. A exigência de consideração, que enseja as atitudes morais, compreende as crenças: no direito de ser respeitado, de que quem é punido deve entender sua punição por desrespeito e de que as atitudes e os sentimentos morais possibilitam ajustar a conduta moral. A legitimidade da exigência moral depende da legitimidade do direito, cujo é estabelecido discursivamente, conforme a ideia de “sentença performativa”, de Austin, pois, dizer que um indivíduo tem o direito à exigência moral é o mesmo que descrever uma realidade produzida pelo discurso. Portanto, o fundamento da exigência moral é um acordo de aceitação de direitos e deveres morais.

A exigência moral tem o objetivo prático de contribuir à organização da sociedade, à convivência pacífica e harmoniosa ao estipular parâmetros de conduta moral. Cabe salientar que a avaliação da conduta moral varia conforme a relação que há entre quem avalia e quem é avaliado. Mas, o importante é que a culpa implica em responsabilização do agente moral, tendo em vista a alteração de seu comportamento ou mentalidade no futuro; e, para ter o efeito esperado, a ameaça de punição deve ser acompanhada de punição efetiva quando necessário.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Que importância tem a arte para o ser humano?

Os românticos ingleses e alemães propuseram o conceito de autonomia da arte, ou seja, expressão livre da experiência humana, de acordo com os critérios de criatividade e originalidade. Essas ideias de originalidade e autonomia serviram de referência a gerações posteriores no questionamento da censura e de imposições de interesses alheios à experiência estética. Cabe observar que esse conceito de autonomia – na filosofia da arte – vale tanto para o processo de produção quanto de apreciação (crítica) da obra de arte; e que, para ser livre, independente, a arte não poderia ficar associada a critérios absolutos, a princípios pré-estabelecidos.

Posto isso, percebe-se que a arte possibilita o registro histórico das paixões humanas, do teísmo ou do ateísmo, das relações entre o ser humano e a natureza, das várias facetas da organização social, etc. Ou seja, a consideração estética - que consiste na atitude de contemplar o objeto (sua aparência) que, por sua vez, estimula a capacidade de concepção, apreensão; de modo que não se trata de mera percepção sensorial e sim de pensamento - possibilita um conhecimento sobre a experiência humana por intermédio do discurso que expressa o sentido humano da obra de arte.

A despeito da pretensão romântica, a arte já serviu de instrumento de manutenção do poder totalitário, por isso, já esteve bastante limitada. E esse é um indício da estreita ligação que há entre arte, sociedade e relações de poder.

As relações de poder no trabalho, na família, entre etnias, gêneros, etc., não raro encontram suporte no Estado para determinar a “realidade” para o indivíduo, que a assume sem questionar. Considerando que a produção artística é afetada pelas relações sociais e pela tecnologia, que contribui com os processos de produção e difusão da obra de arte, a arte pode, então, reproduzir – e assim reforçar – a visão de mundo, sob a tutela do poder político, do indivíduo, conforme esteja habituado a perceber por intermédio da “arte” consumida.

Mas, a arte também pode questionar o poder político que gera injustiça, fazendo valer – aparentemente – sua liberdade de expressão. A questão é que a arte – engajada - como um instrumento político revolucionário assume uma função que também limita a pretendida autonomia, por maior que seja o valor estético de sua produção, pois se torna também servil ao ficar atrelada a critérios alheios ao processo artístico.

Considerando a expressão “valor estético”, não sem esforço e concentração se percebe o quão descartável é a produção artística enquanto mercadoria, a serviço do lucro; quão sem sentido se torna, assim, outra vez, o conceito de autonomia. De forma conveniente os capitalistas inverteram o valor da atitude estética na relação entre arte e ócio na sociedade do consumo, da moda do efêmero. A experiência estética que se vende não estimula a capacidade de pensar e de conceber, pelo contrário, entorpece, aliena o público adestrado para panis et circencis.

A arte possibilita o exercício da humanidade. Na experiência estética o ser humano pode questionar essa sua condição humana ao pensar e sentir, estimulado pela apreciação da obra de arte. Basta dedicar um pouco de esforço e concentração para perceber a beleza por intermédio da atitude estética, que é o modo como se dá a relação entre o ato de apreensão e o objeto apreendido. Um aspecto que torna a atitude estética pouco popular é que interessa apenas a aparência momentânea das coisas e não as próprias coisas (realidade) – e suas funções – ou os sentimentos relacionados a essas coisas. Daí a ideia de que “a beleza é inútil, o que não quer dizer que não seja imprescindível.” (BARROS, M. B. “Da estética à filosofia da arte”) A experiência humana se torna edificante, enriquecedora, quando em contato com o belo, com seus “tesouros inestimáveis de beleza e sentido”. (BARROS, M. B. “Arte e Filosofia da arte no mundo contemporâneo”)

Ética: conhecimento e ação boa

Questões próprias ao estudo da ética – por exemplo, da relação entre consciência e responsabilidade - já apareceram nos textos do teatro clássico, mas, o tratamento teórico desse campo de estudo da filosofia teve início nos diálogos de Platão. Essas questões da ética na Antiguidade são uma referência ao estudo da ética sob um viés histórico, sobretudo considerando que foram apropriadas pela posteridade e abordaram problemas ainda atuais.

A despeito de uma tentativa de educar o jovem antigo com base nos modelos de comportamento de deuses e heróis, apresentados nas composições dos poetas do período arcaico, como Homero e Hesíodo, os gregos do século V a.C. vivenciaram na figura de Sócrates – protagonista nos diálogos aporéticos de Platão – um novo rumo no pensamento sobre a ética: o estudo da ação humana como critério de avaliação ética e a razão como meio de se estabelecer os paradigmas.

O que está em jogo na ética socrática dos diálogos é que o indivíduo deve ter controle das ações para que prevaleçam as ações boas, aquelas baseadas nas ideias. Para ter controle é preciso fazer valer a parte racional da alma (sobre a parte apetitiva), única capaz de distinguir verdade e aparência e orientar a ação, conforme o verdadeiro bem.

Embora haja dificuldade em se definir o “verdadeiro bem”, por conta da “aparente multiplicidade de bens”, é o conhecimento da verdade uma das formas perfeitas, das ideias, que possibilita a apresentação de um modelo ético platônico. Assim, considerando conhecer o bem como o conhecimento das ações boas, fica evidente a importância da educação para o conhecimento da verdade orientadora.

No modelo ético dos diálogos, o ser humano deve ser racional, buscar conhecimento, agir bem e, assim, viver bem.