“...todos os
homens sadios já pensaram no próprio suicídio...”
Albert Camus
Olhar
o mundo do alto pode ser sadio, desde que não se confundam vertigem e desejo. Era
fim de tarde, abri uma cerveja e, ainda relaxando, aproximei-me da sacada. O
sol já rondava as bordas do mundo, iluminando as poucas nuvens que se esticavam
no horizonte. Foi quando avistei a certa distância uma figura que se aproximava
do parapeito no terraço do prédio mais adiante. Em principio, achei que fosse
um desses loucos que andam por aí hoje em dia desafiando a vida, saltando de um
lado para o outro, praticando um desses esportes modernos criado pelos
franceses, o “le parkur”.
Analisando
melhor sua silhueta, porém, pude concluir rapidamente que não se tratava de uma
pessoa na sua melhor forma.
O
sujeito subiu na mureta do parapeito e olhou para baixo, como que mirando num
ponto ou calculando um ângulo. Em seguida, antes que eu pudesse piscar, ele
saltou. Tudo foi tão eterna e alucinantemente
rápido, segundos...
Enquanto
caia, seu corpo fez meio giro no ar, pude
observar. [Hoje me pergunto: ora, se ele não encarou a certeza dura da terra,
como desejava – será que o insondável azul do céu obliterou por alguns segundos
as firmes convicções que o conduziram até àquele desfecho? O que terá sido das narrativas
que possuía de si – passado, presente, futuro? _Agora pouco importam! Embora,
nesta altura, eu tenha a firme convicção de que algumas coisas durante aquela
queda tenham sido plenamente vividas: o instante, o azul e a queda.]
Tudo fica mais vivido quando o foco é o instante!
O
som de seu corpo se chocando contra o chão ecoou na galeria dos prédios
vizinhos com um forte estampido.
Logo,
aglomeraram-se em torno de seu corpo inerte, curiosos. Para alguns daqueles que
se aproximavam, conferir o resultado do desatino era morbidamente necessário.
Não
demorou muito, e as vibrações no celular denunciavam, já circulam pelas redes
sociais algumas fotos e vídeos da tragédia. Numa delas seu corpo jazia inerte
no passeio pavimentado. Uma morte instantânea, certamente, conforme se podia apurar.
Porém,
seus olhos, que permaneceram perturbadoramente abertos pareciam revelar algo de
ainda mais assustador. Neles, algo como uma expressão de arrependimento
provocava a tétrica impressão de que, talvez, em meio a sua trajetória rumo ao
infinito, tivesse descoberto algo pelo qual valesse a pena ter vivido; mas que,
no entanto, nunca lhe houvera ocorrido. Algo como uma iluminação súbita [quem
sabe a (des)afortunada revelação de que apenas a vida enquanto experiência
estética bastava, somente ela e nada mais, nenhuma razão, nenhum discurso ou
narrativa eram suficientes ou mesmo necessários] e, junto desta epifania a infeliz
e estarrecedora conclusão: Agora é tarde demais...
E,
assim, seus olhos silenciaram fitando para sempre o infinito azul do céu.