quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O Sacrifício


O Sacrifício
O projeto econômico do novo governo se encarado de forma absolutamente isenta, se encarado de maneira formal, pode de fato ser considerado absurdamente racional (poderíamos ter usado a expressão – estupidamente racional, sem temer cometer qualquer excesso linguístico, qualquer erro. Se e somente se os leitores tomassem ao pé-da-letra a interpretação das palavras, dos signos; quero dizer, supondo que a leitura fosse também e tão somente um ato estritamente racional – assim sendo; teríamos, portanto, uma interpretação literal dos termos. Mas será?). Isso se ignorássemos todas as “circunstancias politicas” que cercam os atos de uma administração pública, os atos de quem governa um país, uma república. Somente nessa hipotética e improvável circunstancia, poderíamos encará-lo assim: Um projeto absurdamente racional (estupidamente).

Por conseguinte, ‘o Brasil do futuro’, imaginado nesse, ‘digamos’, arrojado projeto econômico será um país para poucos. Ora, pode-se considerar que seja um projeto econômico em amplo aspecto. É o próprio Paulo Guedes quem expressa de forma direta e contundente, sem rodeios, essa necessidade. Ao menos foi o que quis transparecer ao afirmar em entrevista recente que “terá que haver sacrifícios!”.

A receita é relativamente simples, se há um “mal” a ser espiado numa sociedade tribal/oligárquica, há que haver um sacrifício. Não obstante, quando se fala em sacrifícios em um país como o Brasil nunca se quer dizer de fato ‘o sacrifício de todos’; e, se há sacrifícios, também devemos considerar que historicamente é sempre o corpo a ser molestado, açoitado, flagelado. Mormente, os corpos imolados nunca são os corpos das elites; mas enquanto outrora era o corpo dos negros, dos índios, dos degredados, hoje tomam seus lugares os corpos dos pobres, das minorias, dos trabalhadores. Isso simplesmente por que, numa democracia, o povo é o corpo.

Essa divagação nada tem de oposicionista, de pessimista, de moralista, não aspira sequer fazer simples crítica ao projeto. Exercita no máximo uma reflexão breve e objetiva do que está em jogo (estou em dúvida se se trata de uma fria ou apaixonada observação). É provável, e acredito nisso com um bom grau de franqueza, que se o economista levar a termo seu projeto, ao final e ao cabo, o país terá sido passado a limpo. Teremos, enfim, nossa pequena revolução burguesa, projeto retardatário de modernidade.

Mas não há como ignorar que há um preço a ser pago. Por aqui e por ali, como quem lança pistas, o economista vai revelando indícios; vai revelando seu preço: “salvar a indústria, apesar dos industriários”. Do mesmo modo, e por extensão poderíamos entrever proposições tais como “salvar a agricultura, apesar dos agricultores”; “salvar o comércio, apesar dos comerciantes”. E, por fim, quem sabe “salvar o Brasil, apesar dos brasileiros” (alguns pelo menos). É e sempre foi assim, não na pequena história do Brasil, mas na grande História, na história dos povos, da humanidade.

Por fim, o mundo segue adiante, apesar dos sacrifícios. Aliás, para concluir, não seria incorreto observar que o 'arrojado projeto econômico' pressupõe uma coerência lógica tecnicista, lógica que parece seguir um principio básico da física: “não é possível acelerar, mudar de trajetória, ultrapassar determinados limites num corpo em movimento inercial senão abandonando um tanto de carga”. Senão deixando para trás um pedaço do seu próprio corpo. Que significa isso, senão um sacrifício!?  

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