O Sacrifício
O projeto econômico do novo
governo se encarado de forma absolutamente isenta, se encarado de maneira
formal, pode de fato ser considerado absurdamente
racional (poderíamos ter usado a
expressão – estupidamente racional,
sem temer cometer qualquer excesso linguístico, qualquer erro. Se e somente se
os leitores tomassem ao pé-da-letra a interpretação das palavras, dos signos; quero
dizer, supondo que a leitura fosse também e tão somente um ato estritamente
racional – assim sendo; teríamos, portanto, uma interpretação literal dos
termos. Mas será?). Isso se ignorássemos todas as “circunstancias
politicas” que cercam os atos de uma administração pública, os atos de quem
governa um país, uma república. Somente nessa hipotética e improvável circunstancia,
poderíamos encará-lo assim: Um projeto absurdamente racional
(estupidamente).
Por conseguinte, ‘o Brasil do
futuro’, imaginado nesse, ‘digamos’, arrojado projeto econômico será um país
para poucos. Ora, pode-se considerar que seja um projeto econômico em amplo
aspecto. É o próprio Paulo Guedes quem expressa de forma direta e contundente,
sem rodeios, essa necessidade. Ao menos foi o que quis transparecer ao afirmar em
entrevista recente que “terá que haver sacrifícios!”.
A receita é relativamente
simples, se há um “mal” a ser espiado numa sociedade tribal/oligárquica, há que
haver um sacrifício. Não obstante, quando se fala em sacrifícios em um país
como o Brasil nunca se quer dizer de fato ‘o sacrifício de todos’; e, se há
sacrifícios, também devemos considerar que historicamente é sempre o corpo a
ser molestado, açoitado, flagelado. Mormente, os corpos imolados nunca são os
corpos das elites; mas enquanto outrora era o corpo dos negros, dos índios, dos
degredados, hoje tomam seus lugares os corpos dos pobres, das minorias, dos
trabalhadores. Isso simplesmente por que, numa democracia, o povo é o corpo.
Essa divagação nada tem de
oposicionista, de pessimista, de moralista, não aspira sequer fazer simples crítica
ao projeto. Exercita no máximo uma reflexão breve e objetiva do que está em
jogo (estou em dúvida se se trata de uma fria ou apaixonada observação). É
provável, e acredito nisso com um bom grau de franqueza, que se o economista
levar a termo seu projeto, ao final e ao cabo, o país terá sido passado a
limpo. Teremos, enfim, nossa pequena revolução burguesa, projeto retardatário de modernidade.
Mas não há como ignorar que há um
preço a ser pago. Por aqui e por ali, como quem lança pistas, o economista vai revelando
indícios; vai revelando seu preço: “salvar a indústria, apesar dos
industriários”. Do mesmo modo, e por extensão poderíamos entrever proposições
tais como “salvar a agricultura, apesar dos agricultores”; “salvar o comércio,
apesar dos comerciantes”. E, por fim, quem sabe “salvar o Brasil, apesar dos
brasileiros” (alguns pelo menos). É e sempre foi assim, não na pequena história
do Brasil, mas na grande História, na história dos povos, da humanidade.
Por fim, o mundo segue adiante,
apesar dos sacrifícios. Aliás, para concluir, não seria incorreto observar que o 'arrojado projeto
econômico' pressupõe uma coerência lógica tecnicista, lógica que parece seguir
um principio básico da física: “não é possível acelerar, mudar de trajetória,
ultrapassar determinados limites num corpo em movimento inercial senão abandonando um tanto de carga”. Senão
deixando para trás um pedaço do seu próprio corpo. Que significa isso, senão um
sacrifício!?
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