domingo, 23 de março de 2014

RESENHA de KUNTZ, Rolf. Fundamentos da Teoria Política de Rousseau. São Paulo, Barcarolla, 2012.

RESENHA:
KUNTZ, Rolf. Fundamentos da Teoria Política de Rousseau. São Paulo, Barcarolla, 2012.

Marcelo Caetano da Silva

A dissertação de Kuntz destaca a qualidade e a dificuldade de entendimento do aspecto teórico - ao qual a retórica estaria servindo - na obra de Rousseau, relacionando o estilo do genebrino com o desenvolvimento do pensamento científico da época das luzes. “A linguagem rousseauniana pode ser enganadora. A retórica seduz o leitor e desvia sua atenção, com frequência, de aspectos essenciais da obra.” (KUNTZ, p. 11) A ênfase à teoria principia com o estudo do segundo Discurso, o qual tenta resolver uma questão chave, ao tratar da “construção teórica: (...) como proceder, quando é impossível o recurso a uma experimentação semelhante à das ciências da natureza?” (KUNTZ, p. 12)
Um dos recursos metodológicos é a historiografia, inclusive relatos de viajantes, para a elaboração de teorias sobre as fases de desenvolvimento sócio-político; por exemplo, Rousseau não se furta à racionalidade de seu tempo, aos procedimentos “científicos”, como recurso à experiência. Kuntz observa que essa interpretação foi inspirada por Robert Derathé.
Para criticar a antropologia hobbesiana, Rousseau define o “homem no estado de natureza” como sendo desprovido de “racionalidade”, que seria, então, apenas potencial nessa fase, pois o indivíduo vive o momento, sem projetos futuros, o que inibe conflitos de interesse de longa duração. Por isso não se pode considerar como estado de guerra permanente essa condição, quando não foram desenvolvidos vícios - o que ocorre por intermédio da sociabilidade depois - para alimentar uma disputa constante; e nem mesmo as faculdades características do ser humano, como a linguagem foram aprimoradas.
É o aperfeiçoamento da racionalidade que resultará em conflitos e, também, na solução política dos mais espertos, que combinam astúcia e violência para garantir seus interesses e gerar diferença econômica e, com isso, ampliar a desigualdade, a injustiça.
A solução proposta no Contrato pretende que o monopólio da força assegure o interesse público e também preserve a liberdade dos cidadãos. As leis impõem aos indivíduos o respeito à coletividade que fundamenta sua identidade civil; e para que todos possam usufruir das benesses do Estado é imperativo que a cidadania seja exercida. “A teoria da vontade geral dá um novo sentido e uma nova expressão ao velho tema da sujeição à lei como condição de liberdade.” p. 18
Há muita disparidade de entendimento sobre a obra de Rousseau, ao ponto de muitos críticos não reconhecerem seu caráter teórico, conforme indica Rivelaygue. Não são poucos os que aplicam os mais diversos rótulos a Rousseau: revolucionário, literato, romântico, pedagogo, racionalista, beato; ligando sua obra a inúmeros interesses ideológicos, a despeito do rigor conceitual ignorado.
Uma das construções mais difíceis é a relação entre “razão” e “consciência”, que aparece no Emílio, quando Rousseau critica o obscurantismo e propõe uma combinação entre fé e razão; rejeita a oposição entre sensibilidade e razão e propõe uma “consciência moral” como conceito fundamental que coaduna vários aspectos da teoria: religioso, epistemológico, político, crítica ao fanatismo. De forma corajosa e inovadora indica a razão como juiz natural das escrituras e recusa a autoridade - principal “recurso teórico” dos religiosos - da Igreja, em favor de uma religião natural, de um sujeito autônomo.
O racionalismo de Rousseau não rejeita a fé, apenas os “mistérios que afrontam a razão; (...) a razão individual deve ser um guia para a religião de cada homem; no entanto, o homem pode, sem contradição, aceitar verdades que ultrapassam a esfera estrita do racional.” (KUNTZ, p. 36) O aspecto importante, nesse ponto, é a oposição entre a religião natural defendida e a religião original da Igreja autoritária.
A causa do erro não é propriamente a fé, mas a confusão entre razão e imaginação, o orgulho, a insuficiência do entendimento sobre objetos inacessíveis, como Deus, alma, eternidade; “mistérios impenetráveis nos cercam de todos os lados; eles estão acima da região sensível; para penetrá-los acreditamos ter a inteligência e não temos senão a imaginação”. A epistemologia de Rousseau condena as operações que comparam, julgam relações - equivocadamente - que não representam as sensações-objetos, a verdade; “é o abuso das nossas faculdades que nos torna infelizes e perversos.” (Rousseau, O.C., IV, Émile, pp. 568 e 587, apud KUNTZ, pp. 38-9) Os objetos inacessíveis à razão são arbitrados pelo “sentimento interior”, que determina se são passíveis de crença ou não. Vide os dogmas da religião natural.
Derathé aponta a mistura entre sentimento interior e consciência, percebendo a relação entre os princípios da fé e da moral, justiça, virtude. A consciência se manifesta por intermédio de dois sentimentos - inatos - basilares da moral, cuja possibilidade a razão tende a instituir no direito positivo. A fundamentação metafísica do “bem” guarda estreita relação com a natureza, ordem sagrada.
Kuntz observa que o conceito de “natureza” - aquilo que pode ser contemplado pelos sentidos, o “movimento regular” mantido por Deus, caracterizado como vontade e inteligência - é fundamental, requisito a uma aproximação correta à filosofia política de Rousseau.
O movimento espontâneo dos seres humanos resulta da vontade livre, sentimento interior que é um dos indicativos da consciência. Para bem compreender os fundamentos da moral, convém, então, ter em boa conta os dogmas - artigos de fé - da religião natural:
            1º: “os corpos inanimados não agem senão pelo movimento, e não há verdadeira ação sem vontade (...) uma vontade move o universo e anima a natureza.” (Rousseau, O.C., IV, Émile, pp. 576, apud KUNTZ, p. 52)
            2º: “Se a matéria movida me mostra uma vontade, a matéria movida segundo certas leis me mostra uma inteligência.” (Rousseau, O.C., IV, Émile, pp. 578, apud KUNTZ, pp. 53)
            3º: a liberdade humana é condição sine qua non à manifestação da vontade e prioritária em relação à necessidade de ordenação por leis.
Há uma racionalidade no universo, percebida - pela consciência - em sua “ordem” necessária ao fim inescrutável pela razão humana. Sendo assim, a racionalidade humana também depende da consciência. A “natureza”, portanto, é o todo ordenado de forma harmônica, equilibrada, sagrada.
O ser humano faz parte da natureza, da criação, mas sua vontade, espontaneidade, o torna responsável por suas ações, inclusive pelo mal. A virtude aparece como submissão ao impulso natural, à lei de conservação, aos sentimentos, à ordem divina. A consciência surge do sistema de conservação e dos sentimentos inatos, “amor de si”, “medo da dor”, “horror da morte” e “desejo de bem-estar”. Sendo assim, Deus é uma referência moral, é vontade do bem, lei natural; “amor da ordem”: bondade que a gerou e justiça que a mantém. Dessa ideia de Deus decorrem ideias do mundo natural e do universo humano. À harmonia do universo corresponde a harmonia do homem, cuja bondade compreende a “coordenação espontânea em relação ao todo.” (KUNTZ, p. 65) A bondade humana diz respeito ao amor de seus semelhantes, impulso natural da consciência, e ao sentimento de autoconservação. O mal, por outro lado, é “introdução de uma desordem, que se revela na superposição do interesse particular ao impulso para o bem geral. Daí a ideia do mal ser proveniente do convívio social - pois a natureza humana é boa - e sua remediação depender da política. (KUNTZ, p. 65)
A política é uma preocupação crucial na filosofia de Rousseau, pois é o caminho da redenção humana: “Percebi que tudo depende radicalmente da política (...) qual é a forma de estado mais apropriada para fazer um povo virtuoso, ilustrado, em uma palavra, tão perfeito quanto seja possível, no sentido mais alto do vocábulo?” (Rousseau, O.C., I, Les Confessions, IX, p. 404, apud KUNTZ, p. 66)
Há, portanto, uma relação intrínseca entre a filosofia política e uma filosofia religiosa no pensamento de Rousseau, relação que explica o fundamento da moral da constituição humana e da constituição do Estado, entendido como tentativa de imitar Deus, forjando uma ordem que seja capaz de mudar a natureza humana para moldá-la à vida em sociedade.
Rousseau foi inspirado por muitos pensadores que tanto contribuíram com a formação de sua filosofia política, quanto com sua ruptura com o modelo de sociedade política em voga; cujo poder era comprometido com a manutenção de privilégios, da desigualdade. Nesse sentido Rousseau é considerado por muitos como o filósofo do povo.
Existe um discurso tradicional, dirigido ao povo para enganá-lo, que mitiga direitos e enfatiza deveres, e outro dirigido aos poderosos, dos quais se espera recompensas: dinheiro, cargos, títulos etc. A filosofia política de Rousseau - “dos infelizes” - o tornou repulsivo aos “felizes”. A filosofia dos felizes, dos ricos, convenientemente fundamenta o direito na prática existente, ou seja, “toma o fato pelo direito”; o fato é assumido como natural adotado como fundamento; raciocínio usado, por exemplo, para as noções de justiça, propriedade. Rousseau critica a naturalidade de alguns conceitos e submete a natureza à lei. Questiona ideias e práticas, as doutrinas que justificam um falso bem comum, o aparente. Pois a “ordem aparente” - situada historicamente, logo, não é natural - sacrifica a justiça e gera a desigualdade, que por isso também não é natural. “A história da desigualdade é, portanto, a história da alienação, da divisão do homem em real e aparente.” (KUNTZ, p. 81)
Na crítica ao jusnaturalismo, Rousseau avalia o que é o “homem natural”, considerando o que é essencial do que foi adicionado historicamente. Desenvolve um pensamento “científico” - por intermédio da observação e experiência - para buscar a essência humana na variedade étnica de artificialidades. Por exemplo, na nota X do segundo Discurso, enfatiza a importância de expedições “etnológicas”.
Sintetizando a definição, o “humano” depende do ambiente e das respostas dadas às suas necessidades vitais. Da adaptação humana às condições naturais surge a diversidade cultural. As necessidades humanas, tal como aparecem no segundo Discurso, são duas: 1 - naturais, atinentes à sobrevivência, do mesmo modo que afetam os animais; e 2 - artificiais, provenientes da razão e das paixões.
As paixões “se originam ou das necessidades naturais ou das ideias que os homens possam conceber a respeito das coisas.” Daí a grande diversidade, sobretudo daquelas oriundas das ideias, que aumentam e mudam constantemente.
Dessa “antropologia” surgem leis gerais da evolução humana:
            1ª: “É pela atividade das paixões que nossa razão se aperfeiçoa (...) as paixões, por sua vez, originam-se das nossas necessidades, e progridem com os conhecimentos.” (Rousseau, O.C., III, Discours sur l’origine de l’inégalité, p. 143, apud KUNTZ, p. 94)
            2ª: “(...) em todas as nações, os progressos do espírito são precisamente proporcionados às necessidades que os povos receberam da natureza ou às quais as circunstâncias os sujeitaram, e, por conseguinte, às paixões, que os levam a prover a essas necessidades.” (Rousseau, O.C., III, Discours sur l’origine de l’inégalité, p. 143, apud KUNTZ, p. 95)
Aos desafios das necessidades, cujas circunstâncias variam, os homens respondem com sua capacidade de reflexão - visando à satisfação, certo “equilíbrio” - que também varia, por causas diversas que teimam em quebrar a ordem alcançada, e, assim, indica as transformações humanas perceptíveis historicamente.
O equilíbrio do homem natural é contínuo, e assim é pela sua experiência de um “eterno presente”: “seus desejos não ultrapassam suas necessidades físicas, e os únicos bens que conhece, no universo, são o alimento, uma fêmea e o repouso.” (Rousseau, O.C., III, Discours sur l’origine de l’inégalité, p. 143, apud KUNTZ, p. 98) Ele vive o presente oferecido pelas sensações, sua consciência permanece adormecida. Suas necessidades são satisfeitas facilmente, pois são simples. Desse modo, não tem projetos futuros para além de um dia. “A imediatez das relações é total.” (KUNTZ, p. 98) As disputas são imediatistas e resolvidas prontamente; não dá pra se considerar a possibilidade de um estado de guerra generalizada, como proposto por Hobbes. As relações com a natureza e seus semelhantes são relativamente amistosas, muitíssimo mais singelas se comparadas ao momento posterior, quando a razão se tornar predominante e, consequentemente, os conflitos, que se tornarão prolongados. Prevalece, então, o impulso da conservação e o sentimento de piedade nesse homem natural. Não há predisposição para prejudicar o semelhante. Convém observar que inexiste um caráter moral, pois o homem natural só pode conhecer o bem e o mal por intermédio do convívio social, ou seja, “é apenas constitucionalmente bom, no mesmo sentido em que se pode afirmar que a criação é boa, porque vem de Deus, (...) [aliás] a bondade natural se refere a certo tipo de relação espontânea entre o homem e a totalidade criada por Deus.” (KUNTZ, p. 102)
Na elaboração dos fundamentos e da ordem naturais, Rousseau recusa a história, as teorias baseadas na história, a observação, os fatos e a pesquisa do desenvolvimento biológico, o que não significa descartar a pesquisa empírica, mas estabelecer um critério para interpretar a experiência, a história mesma, tendo em vista “a possibilidade de construir, de modo negativo, o conceito de estado natural.” (KUNTZ, p. 104)
Assim como a natureza proveu o homem inocente de tudo o que necessitava, também lhe impôs condições adversas, provocando alterações em sua constituição natural. A façanha teórica planejada era desenvolver um método, uma filosofia da história, para compreender as transformações do universo humano por intermédio de um modelo, seguindo o exemplo da ciência da natureza, que decifrava o mundo com as leis da mecânica. Esse modelo do homem natural apresentou a seguinte definição: homem ideal, despojado de reflexão, dependente apenas dos instintos e das “leis do coração”. Certamente, as alterações maiores desse modelo ocorreram por intermédio da vida em sociedade. Parece interessante notar que, embora Rousseau tenha tirado proveito dos relatos de viajantes, das notícias sobre os povos nativos do mundo afora, “Durkheim observa que o próprio selvagem, para Rousseau, representa apenas imperfeitamente o homem natural.” (KUNTZ, p. 107)
A inovação da teoria do Estado contratualista de Rousseau está no conceito de “alienação, representado pelo autodesconhecimento das classes dominadas.” (KUNTZ, p. 114)
Kuntz cita Hume, lembrando o quanto é surpreendente que muitos se sujeitem ao governo de poucos, inclusive renunciando à vontade própria para favorecer o governante. E a explicação desse fenômeno seria – ainda conforme Hume – a força da opinião. Rousseau também compartilha esse raciocínio, mas relaciona a opinião que mantém os governos ao engôdo, à demagogia. Exemplo disso é o discurso fundador da sociedade, e da propriedade privada também (!), que mostra o nível de alienação e inocência daqueles que foram enganados, oprimidos, condição oportuna para favorecer o opressor e as leis que reforçam a desigualdade.
As leis apreciadas no segundo Discurso são um instrumento dos ricos para dirimir os conflitos com os pobres, por conseguinte, como um recurso para assegurar privilégios. O pacto que viabilizou a sociedade que adota tais leis representa – ilusão à parte – a instituição de um estado de guerra formal, ao invés de um Estado político; esse pacto proposto pelos espertos propicia a elaboração de uma falsa justiça e representa, assim, a violência do poder do rico sobre a opinião pública – vontade popular – subjugada.
A combinação de “cegueira e simplicidade” da maioria é que possibilita a formalização do contrato viciado, legalizador de inúmeros abusos e da progressão geométrica da desigualdade. Esse falso direito instituído, no extremo, leva os cidadãos à desordem, ao estado de guerra.
A fundamentação do poder legítimo depende do consentimento manifesto por “certa relação entre consciências”, no caso do segundo Discurso, em “desnível”, que “se revela, basicamente, na diferente capacidade de previsão, na percepção que cada parte possui de seus interesses reais, e na capacidade de persuasão.” (KUNTZ, p. 119)
A linguagem é o modo pelo qual se exercita a política; seu emprego varia conforme a conveniência, sendo essencial para persuadir os pactuantes sobre a importância da lei, daí o papel decisivo do legislador para forjar as convenções, a ordem social. O convencimento do povo é um momento crucial para se legitimar a autoridade – bem como o dever de obediência – que perpetuará a desigualdade. “A legitimidade depende do conjunto de crenças necessárias para instituir o direito e fornecer o suporte final para o exercício e a própria existência de uma autoridade estável.” (KUNTZ, p. 122)
Pelo rumo do raciocínio, o que pode comprometer a legitimidade do contrato é a desigualdade, que em última instância “causa a perda da liberdade, colocando uns homens na dependência de outros.” (KUNTZ, p. 123) Portanto, a igualdade é um princípio caro para a garantia de liberdade, que “consiste, pois, em que não haja dependência de uns homens em relação a outros.” (KUNTZ, p. 124)
A liberdade civil é estabelecida pelas “leis tão universais e tão inflexíveis como as leis da natureza, para que todos os homens somente delas dependam.” (KUNTZ, p. 124) Esse é o modo pelo qual os cidadãos submetidos à lei evitam a dependência em relação aos outros e, ainda, favorecem a prevalência do interesse coletivo, da ordem artificial que imita a natural. A renúncia absoluta ao direito de natureza, à individualidade, é a pedra angular da formação da vontade geral, do corpo político que preservará a segurança, a propriedade e a liberdade de cada cidadão. Essa vontade geral é uma personalidade coletiva, não compreende a soma das vontades particulares, embora deva ser a vontade de cada cidadão. A liberdade civil é a verdadeira liberdade, condição para a identidade do cidadão.
Alguns princípios essenciais da religião natural são também essenciais à teoria política, pois são propícios à sociabilidade; mas, na ordenação da sociedade política, a vontade geral substitui o Deus ordenador da natureza. “É no plano social, e não no individual, que Rousseau coloca a salvação e a possibilidade de uma vida moral: é na vida coletiva, e não na esfera privada, que se pode realizar ‘a ordenação em relação ao todo’, que caracteriza a bondade e a justiça.” (KUNTZ, p. 130)
Portanto, o exercício da razão indica que a moral depende da submissão, num primeiro momento à ordem e leis naturais, depois da adesão ao contrato, à ordem instituída pelas leis positivas. A conciliação entre vida privada e pública é um dos aspectos mais sutis dessa filosofia política, que exige atenção redobrada, pois, ao mesmo tempo em que valoriza a liberdade do cidadão, “ao discutir as condições de existência de uma sociedade livre e justa, Rousseau é levado a anular – ou quase anular – a separação da vida em dois planos, o social e o individual.” (KUNTZ, p. 129) O soberano tem plenos poderes para garantir o interesse público, mas não pode ir além desse limite, que é bastante amplo por sinal; o cidadão, por sua vez, deve se submeter à coletividade para ser bom, justo e livre. “O que preocupava Rousseau, no entanto, não era a simples questão técnica de produzir comportamentos uniformes e submissos, mas, antes de tudo, o problema doutrinário de como garantir um lugar para a liberdade no espaço definido pelas relações humanas.” (KUNTZ, p. 131) Se no plano teórico o problema – que foi bem tratado – demandou um esforço intelectual que não garantiu consenso junto à posteridade, na prática soa como um problema aporético.

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