RESENHA:
KUNTZ,
Rolf. Fundamentos da Teoria Política de
Rousseau. São Paulo, Barcarolla, 2012.
Marcelo Caetano da Silva
A
dissertação de Kuntz destaca a qualidade e a dificuldade de entendimento do
aspecto teórico - ao qual a retórica estaria servindo - na obra de Rousseau, relacionando
o estilo do genebrino com o desenvolvimento do pensamento científico da época
das luzes. “A linguagem rousseauniana pode ser enganadora. A retórica seduz o
leitor e desvia sua atenção, com frequência, de aspectos essenciais da obra.” (KUNTZ,
p. 11) A ênfase à teoria principia com o estudo do segundo Discurso, o qual tenta resolver uma questão chave, ao tratar da
“construção teórica: (...) como proceder, quando é impossível o recurso a uma
experimentação semelhante à das ciências da natureza?” (KUNTZ, p. 12)
Um
dos recursos metodológicos é a historiografia, inclusive relatos de viajantes,
para a elaboração de teorias sobre as fases de desenvolvimento sócio-político;
por exemplo, Rousseau não se furta à racionalidade de seu tempo, aos
procedimentos “científicos”, como recurso à experiência. Kuntz observa que essa
interpretação foi inspirada por Robert Derathé.
Para
criticar a antropologia hobbesiana, Rousseau define o “homem no estado de
natureza” como sendo desprovido de “racionalidade”, que seria, então, apenas
potencial nessa fase, pois o indivíduo vive o momento, sem projetos futuros, o
que inibe conflitos de interesse de longa duração. Por isso não se pode
considerar como estado de guerra permanente essa condição, quando não foram
desenvolvidos vícios - o que ocorre por intermédio da sociabilidade depois -
para alimentar uma disputa constante; e nem mesmo as faculdades características
do ser humano, como a linguagem foram aprimoradas.
É
o aperfeiçoamento da racionalidade que resultará em conflitos e, também, na
solução política dos mais espertos, que combinam astúcia e violência para
garantir seus interesses e gerar diferença econômica e, com isso, ampliar a
desigualdade, a injustiça.
A
solução proposta no Contrato pretende
que o monopólio da força assegure o interesse público e também preserve a
liberdade dos cidadãos. As leis impõem aos indivíduos o respeito à coletividade
que fundamenta sua identidade civil; e para que todos possam usufruir das
benesses do Estado é imperativo que a cidadania seja exercida. “A teoria da
vontade geral dá um novo sentido e uma nova expressão ao velho tema da sujeição
à lei como condição de liberdade.” p. 18
Há
muita disparidade de entendimento sobre a obra de Rousseau, ao ponto de muitos
críticos não reconhecerem seu caráter teórico, conforme indica Rivelaygue. Não
são poucos os que aplicam os mais diversos rótulos a Rousseau: revolucionário,
literato, romântico, pedagogo, racionalista, beato; ligando sua obra a inúmeros
interesses ideológicos, a despeito do rigor conceitual ignorado.
Uma
das construções mais difíceis é a relação entre “razão” e “consciência”, que
aparece no Emílio, quando Rousseau
critica o obscurantismo e propõe uma combinação entre fé e razão; rejeita a
oposição entre sensibilidade e razão e propõe uma “consciência moral” como
conceito fundamental que coaduna vários aspectos da teoria: religioso,
epistemológico, político, crítica ao fanatismo. De forma corajosa e inovadora
indica a razão como juiz natural das escrituras e recusa a autoridade - principal
“recurso teórico” dos religiosos - da Igreja, em favor de uma religião natural,
de um sujeito autônomo.
O
racionalismo de Rousseau não rejeita a fé, apenas os “mistérios que afrontam a
razão; (...) a razão individual deve ser um guia para a religião de cada homem;
no entanto, o homem pode, sem contradição, aceitar verdades que ultrapassam a
esfera estrita do racional.” (KUNTZ, p. 36) O aspecto importante, nesse ponto,
é a oposição entre a religião natural defendida e a religião original da Igreja
autoritária.
A
causa do erro não é propriamente a fé, mas a confusão entre razão e imaginação,
o orgulho, a insuficiência do entendimento sobre objetos inacessíveis, como
Deus, alma, eternidade; “mistérios impenetráveis nos cercam de todos os lados;
eles estão acima da região sensível; para penetrá-los acreditamos ter a
inteligência e não temos senão a imaginação”. A epistemologia de Rousseau condena
as operações que comparam, julgam relações - equivocadamente - que não
representam as sensações-objetos, a verdade; “é o abuso das nossas faculdades
que nos torna infelizes e perversos.” (Rousseau, O.C., IV, Émile, pp. 568
e 587, apud KUNTZ, pp. 38-9) Os objetos inacessíveis à razão são arbitrados
pelo “sentimento interior”, que determina se são passíveis de crença ou não. Vide
os dogmas da religião natural.
Derathé
aponta a mistura entre sentimento interior e consciência, percebendo a relação
entre os princípios da fé e da moral, justiça, virtude. A consciência se
manifesta por intermédio de dois sentimentos - inatos - basilares da moral,
cuja possibilidade a razão tende a instituir no direito positivo. A
fundamentação metafísica do “bem” guarda estreita relação com a natureza, ordem
sagrada.
Kuntz
observa que o conceito de “natureza” - aquilo que pode ser contemplado pelos
sentidos, o “movimento regular” mantido por Deus, caracterizado como vontade e
inteligência - é fundamental, requisito a uma aproximação correta à filosofia
política de Rousseau.
O
movimento espontâneo dos seres humanos resulta da vontade livre, sentimento
interior que é um dos indicativos da consciência. Para bem compreender os
fundamentos da moral, convém, então, ter em boa conta os dogmas - artigos de fé
- da religião natural:
1º: “os corpos inanimados não agem
senão pelo movimento, e não há verdadeira ação sem vontade (...) uma vontade
move o universo e anima a natureza.” (Rousseau, O.C., IV, Émile, pp. 576,
apud KUNTZ, p. 52)
2º: “Se a matéria movida me mostra
uma vontade, a matéria movida segundo certas leis me mostra uma inteligência.”
(Rousseau, O.C., IV, Émile, pp. 578, apud KUNTZ, pp. 53)
3º: a liberdade humana é condição sine qua non à manifestação da vontade e
prioritária em relação à necessidade de ordenação por leis.
Há
uma racionalidade no universo, percebida - pela consciência - em sua “ordem”
necessária ao fim inescrutável pela razão humana. Sendo assim, a racionalidade
humana também depende da consciência. A “natureza”, portanto, é o todo ordenado
de forma harmônica, equilibrada, sagrada.
O
ser humano faz parte da natureza, da criação, mas sua vontade, espontaneidade,
o torna responsável por suas ações, inclusive pelo mal. A virtude aparece como
submissão ao impulso natural, à lei de conservação, aos sentimentos, à ordem
divina. A consciência surge do sistema de conservação e dos sentimentos inatos,
“amor de si”, “medo da dor”, “horror da morte” e “desejo de bem-estar”. Sendo
assim, Deus é uma referência moral, é vontade do bem, lei natural; “amor da
ordem”: bondade que a gerou e justiça que a mantém. Dessa ideia de Deus
decorrem ideias do mundo natural e do universo humano. À harmonia do universo
corresponde a harmonia do homem, cuja bondade compreende a “coordenação
espontânea em relação ao todo.” (KUNTZ, p. 65) A bondade humana diz respeito ao
amor de seus semelhantes, impulso natural da consciência, e ao sentimento de
autoconservação. O mal, por outro lado, é “introdução de uma desordem, que se
revela na superposição do interesse particular ao impulso para o bem geral. Daí
a ideia do mal ser proveniente do convívio social - pois a natureza humana é
boa - e sua remediação depender da política. (KUNTZ, p. 65)
A
política é uma preocupação crucial na filosofia de Rousseau, pois é o caminho
da redenção humana: “Percebi que tudo depende radicalmente da política (...)
qual é a forma de estado mais apropriada para fazer um povo virtuoso,
ilustrado, em uma palavra, tão perfeito quanto seja possível, no sentido mais
alto do vocábulo?” (Rousseau, O.C.,
I, Les Confessions, IX, p. 404, apud
KUNTZ, p. 66)
Há,
portanto, uma relação intrínseca entre a filosofia política e uma filosofia
religiosa no pensamento de Rousseau, relação que explica o fundamento da moral
da constituição humana e da constituição do Estado, entendido como tentativa de
imitar Deus, forjando uma ordem que seja capaz de mudar a natureza humana para
moldá-la à vida em sociedade.
Rousseau
foi inspirado por muitos pensadores que tanto contribuíram com a formação de
sua filosofia política, quanto com sua ruptura com o modelo de sociedade
política em voga; cujo poder era comprometido com a manutenção de privilégios, da
desigualdade. Nesse sentido Rousseau é considerado por muitos como o filósofo
do povo.
Existe
um discurso tradicional, dirigido ao povo para enganá-lo, que mitiga direitos e
enfatiza deveres, e outro dirigido aos poderosos, dos quais se espera
recompensas: dinheiro, cargos, títulos etc. A filosofia política de Rousseau -
“dos infelizes” - o tornou repulsivo aos “felizes”. A filosofia dos felizes,
dos ricos, convenientemente fundamenta o direito na prática existente, ou seja,
“toma o fato pelo direito”; o fato é assumido como natural adotado como
fundamento; raciocínio usado, por exemplo, para as noções de justiça,
propriedade. Rousseau critica a naturalidade de alguns conceitos e submete a
natureza à lei. Questiona ideias e práticas, as doutrinas que justificam um falso
bem comum, o aparente. Pois a “ordem aparente” - situada historicamente, logo, não
é natural - sacrifica a justiça e gera a desigualdade, que por isso também não
é natural. “A história da desigualdade é, portanto, a história da alienação, da
divisão do homem em real e aparente.” (KUNTZ, p. 81)
Na
crítica ao jusnaturalismo, Rousseau avalia o que é o “homem natural”, considerando
o que é essencial do que foi adicionado historicamente. Desenvolve um
pensamento “científico” - por intermédio da observação e experiência - para
buscar a essência humana na variedade étnica de artificialidades. Por exemplo,
na nota X do segundo Discurso,
enfatiza a importância de expedições “etnológicas”.
Sintetizando
a definição, o “humano” depende do ambiente e das respostas dadas às suas
necessidades vitais. Da adaptação humana às condições naturais surge a
diversidade cultural. As necessidades humanas, tal como aparecem no segundo Discurso, são duas: 1 - naturais,
atinentes à sobrevivência, do mesmo modo que afetam os animais; e 2 - artificiais,
provenientes da razão e das paixões.
As
paixões “se originam ou das necessidades naturais ou das ideias que os homens
possam conceber a respeito das coisas.” Daí a grande diversidade, sobretudo
daquelas oriundas das ideias, que aumentam e mudam constantemente.
Dessa
“antropologia” surgem leis gerais da evolução humana:
1ª: “É pela atividade das paixões
que nossa razão se aperfeiçoa (...) as paixões, por sua vez, originam-se das
nossas necessidades, e progridem com os conhecimentos.” (Rousseau, O.C., III, Discours sur l’origine de l’inégalité, p. 143, apud KUNTZ, p. 94)
2ª: “(...) em todas as nações, os
progressos do espírito são precisamente proporcionados às necessidades que os
povos receberam da natureza ou às quais as circunstâncias os sujeitaram, e, por
conseguinte, às paixões, que os levam a prover a essas necessidades.” (Rousseau,
O.C., III, Discours sur l’origine de l’inégalité, p. 143, apud KUNTZ, p. 95)
Aos
desafios das necessidades, cujas circunstâncias variam, os homens respondem com
sua capacidade de reflexão - visando à satisfação, certo “equilíbrio” - que também
varia, por causas diversas que teimam em quebrar a ordem alcançada, e, assim,
indica as transformações humanas perceptíveis historicamente.
O
equilíbrio do homem natural é contínuo, e assim é pela sua experiência de um
“eterno presente”: “seus desejos não ultrapassam suas necessidades físicas, e
os únicos bens que conhece, no universo, são o alimento, uma fêmea e o
repouso.” (Rousseau, O.C., III, Discours sur l’origine de l’inégalité,
p. 143, apud KUNTZ, p. 98) Ele vive o presente oferecido pelas sensações, sua
consciência permanece adormecida. Suas necessidades são satisfeitas facilmente,
pois são simples. Desse modo, não tem projetos futuros para além de um dia. “A
imediatez das relações é total.” (KUNTZ, p. 98) As disputas são imediatistas e resolvidas
prontamente; não dá pra se considerar a possibilidade de um estado de guerra
generalizada, como proposto por Hobbes. As relações com a natureza e seus
semelhantes são relativamente amistosas, muitíssimo mais singelas se comparadas
ao momento posterior, quando a razão se tornar predominante e,
consequentemente, os conflitos, que se tornarão prolongados. Prevalece, então,
o impulso da conservação e o sentimento de piedade nesse homem natural. Não há
predisposição para prejudicar o semelhante. Convém observar que inexiste um
caráter moral, pois o homem natural só pode conhecer o bem e o mal por
intermédio do convívio social, ou seja, “é apenas constitucionalmente bom, no
mesmo sentido em que se pode afirmar que a criação é boa, porque vem de Deus, (...)
[aliás] a bondade natural se refere a certo tipo de relação espontânea entre o
homem e a totalidade criada por Deus.” (KUNTZ, p. 102)
Na
elaboração dos fundamentos e da ordem naturais, Rousseau recusa a história, as
teorias baseadas na história, a observação, os fatos e a pesquisa do
desenvolvimento biológico, o que não significa descartar a pesquisa empírica,
mas estabelecer um critério para interpretar a experiência, a história mesma,
tendo em vista “a possibilidade de construir, de modo negativo, o conceito de
estado natural.” (KUNTZ, p. 104)
Assim
como a natureza proveu o homem inocente de tudo o que necessitava, também lhe
impôs condições adversas, provocando alterações em sua constituição natural. A
façanha teórica planejada era desenvolver um método, uma filosofia da história,
para compreender as transformações do universo humano por intermédio de um
modelo, seguindo o exemplo da ciência da natureza, que decifrava o mundo com as
leis da mecânica. Esse modelo do homem natural apresentou a seguinte definição:
homem ideal, despojado de reflexão, dependente apenas dos instintos e das “leis
do coração”. Certamente, as alterações maiores desse modelo ocorreram por
intermédio da vida em sociedade. Parece interessante notar que, embora Rousseau
tenha tirado proveito dos relatos de viajantes, das notícias sobre os povos
nativos do mundo afora, “Durkheim observa que o próprio selvagem, para
Rousseau, representa apenas imperfeitamente o homem natural.” (KUNTZ, p. 107)
A
inovação da teoria do Estado contratualista de Rousseau está no conceito de
“alienação, representado pelo autodesconhecimento das classes dominadas.”
(KUNTZ, p. 114)
Kuntz
cita Hume, lembrando o quanto é surpreendente que muitos se sujeitem ao governo
de poucos, inclusive renunciando à vontade própria para favorecer o governante.
E a explicação desse fenômeno seria – ainda conforme Hume – a força da opinião.
Rousseau também compartilha esse raciocínio, mas relaciona a opinião que mantém
os governos ao engôdo, à demagogia. Exemplo disso é o discurso fundador da
sociedade, e da propriedade privada também (!), que mostra o nível de alienação
e inocência daqueles que foram enganados, oprimidos, condição oportuna para
favorecer o opressor e as leis que reforçam a desigualdade.
As
leis apreciadas no segundo Discurso
são um instrumento dos ricos para dirimir os conflitos com os pobres, por
conseguinte, como um recurso para assegurar privilégios. O pacto que viabilizou
a sociedade que adota tais leis representa – ilusão à parte – a instituição de
um estado de guerra formal, ao invés de um Estado político; esse pacto proposto
pelos espertos propicia a elaboração de uma falsa justiça e representa, assim,
a violência do poder do rico sobre a opinião pública – vontade popular –
subjugada.
A
combinação de “cegueira e simplicidade” da maioria é que possibilita a
formalização do contrato viciado, legalizador de inúmeros abusos e da
progressão geométrica da desigualdade. Esse falso direito instituído, no
extremo, leva os cidadãos à desordem, ao estado de guerra.
A
fundamentação do poder legítimo depende do consentimento manifesto por “certa
relação entre consciências”, no caso do segundo Discurso, em “desnível”, que “se revela, basicamente, na diferente
capacidade de previsão, na percepção que cada parte possui de seus interesses
reais, e na capacidade de persuasão.” (KUNTZ, p. 119)
A
linguagem é o modo pelo qual se exercita a política; seu emprego varia conforme
a conveniência, sendo essencial para persuadir os pactuantes sobre a
importância da lei, daí o papel decisivo do legislador para forjar as
convenções, a ordem social. O convencimento do povo é um momento crucial para
se legitimar a autoridade – bem como o dever de obediência – que perpetuará a
desigualdade. “A legitimidade depende do conjunto de crenças necessárias para instituir
o direito e fornecer o suporte final para o exercício e a própria existência de
uma autoridade estável.” (KUNTZ, p. 122)
Pelo
rumo do raciocínio, o que pode comprometer a legitimidade do contrato é a
desigualdade, que em última instância “causa a perda da liberdade, colocando
uns homens na dependência de outros.” (KUNTZ, p. 123) Portanto, a igualdade é
um princípio caro para a garantia de liberdade, que “consiste, pois, em que não
haja dependência de uns homens em relação a outros.” (KUNTZ, p. 124)
A
liberdade civil é estabelecida pelas “leis tão universais e tão inflexíveis
como as leis da natureza, para que todos os homens somente delas dependam.”
(KUNTZ, p. 124) Esse é o modo pelo qual os cidadãos submetidos à lei evitam a
dependência em relação aos outros e, ainda, favorecem a prevalência do
interesse coletivo, da ordem artificial que imita a natural. A renúncia
absoluta ao direito de natureza, à individualidade, é a pedra angular da
formação da vontade geral, do corpo político que preservará a segurança, a
propriedade e a liberdade de cada cidadão. Essa vontade geral é uma
personalidade coletiva, não compreende a soma das vontades particulares, embora
deva ser a vontade de cada cidadão. A liberdade civil é a verdadeira liberdade,
condição para a identidade do cidadão.
Alguns
princípios essenciais da religião natural são também essenciais à teoria
política, pois são propícios à sociabilidade; mas, na ordenação da sociedade
política, a vontade geral substitui o Deus ordenador da natureza. “É no plano
social, e não no individual, que Rousseau coloca a salvação e a possibilidade
de uma vida moral: é na vida coletiva, e não na esfera privada, que se pode
realizar ‘a ordenação em relação ao todo’, que caracteriza a bondade e a
justiça.” (KUNTZ, p. 130)
Portanto,
o exercício da razão indica que a moral depende da submissão, num primeiro
momento à ordem e leis naturais, depois da adesão ao contrato, à ordem
instituída pelas leis positivas. A conciliação entre vida privada e pública é
um dos aspectos mais sutis dessa filosofia política, que exige atenção
redobrada, pois, ao mesmo tempo em que valoriza a liberdade do cidadão, “ao
discutir as condições de existência de uma sociedade livre e justa, Rousseau é
levado a anular – ou quase anular – a separação da vida em dois planos, o
social e o individual.” (KUNTZ, p. 129) O soberano tem plenos poderes para
garantir o interesse público, mas não pode ir além desse limite, que é bastante
amplo por sinal; o cidadão, por sua vez, deve se submeter à coletividade para ser
bom, justo e livre. “O que preocupava Rousseau, no entanto, não era a simples
questão técnica de produzir comportamentos uniformes e submissos, mas, antes de
tudo, o problema doutrinário de como garantir um lugar para a liberdade no
espaço definido pelas relações humanas.” (KUNTZ, p. 131) Se no plano teórico o
problema – que foi bem tratado – demandou um esforço intelectual que não
garantiu consenso junto à posteridade, na prática soa como um problema
aporético.
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