MARCELO CAETANO DA SILVA
Opinião pública, censura e formação
da cidadania
Dissertação final da disciplina
FLF5125. Ética e Filosofia
Ministrada pelo Professor Dr. Milton Meira do Nascimento
Junho/2015
Opinião pública,
censura e formação da cidadania
"A opinião pública, eis o único
juiz competente das opiniões particulares, o único censor legítimo dos seus
escritos. Se ela os aprovar, com que direito vocês, homens do poder, poderão
condená-los?... publicar livremente seus pensamentos... este é o mais sagrado
dos deveres que, em relação a outros homens, pode cumprir aquele que é dotado
dos talentos necessários para esclarecê-los". ROBESPIERRE, Maximilien.
Discours sur la liberté de la Presse, sessão de 11/05/1791. Éditions Hemera,
Tomo V, p. 47. Apud NASCIMENTO, p. 73.
Introdução
Este texto faz uma abordagem da ideia de opinião
pública presente em dois momentos distintos histórica e geograficamente,
permitindo compará-los e perceber aspectos em comum. O que torna possível a
analogia entre a Revolução Francesa e o golpe de Estado perpetrado no Brasil em
1964, no que tange à ideia em causa, talvez seja o fato da opinião pública
operar constantemente de forma negativa e positiva, ora restringindo e moldando
a liberdade individual, ora atuando sobre a capacidade de julgar do povo por
intermédio dos canais de comunicação disponíveis.
No contexto da Revolução Francesa, a opinião
pública é abordada por um estudo da obra Opinião
Pública e Revolução, aqui adotado como referencial teórico, que trata da
assimilação do pensamento "de um" Rousseau por dois revolucionários
fundadores de uma organização política muito atuante, o Círculo Social, ao mesmo tempo em que indica como viam o papel do
intelectual como um educador, agente de transformação, vanguarda. Seguindo o
espírito da ilustração, o intelectual será definido por sua aversão ao
preconceito e compromisso com a verdade, adotada como um referencial da
política; esse seria o caminho para contribuir à formação da soberania popular,
entendida como vigilante do exercício do poder político. Claro que o uso da
linguagem pelo intelectual engajado será colocado em questão.
Na história da filosofia, a opinião tanto aparece
no campo da epistemologia, resultando na cristalização de conhecimento ou
preconceito, como no campo da ética, vinculada à formação do costume dos povos.
Pensada como expressão do costume de um povo, decorrente de um longo processo
de maturação, a opinião pública pode ser um meio de degradação ou de
regeneração da humanidade. O aspecto negativo da opinião pública está ligado ao
vício do julgamento das aparências, que deturpam o sentido do ser verdadeiro,
típico da vida em sociedade. O aspecto positivo, compreende a emancipação do
ser humano como dependente da prioridade dada ao que importa à sobrevivência e
da rejeição à preferência da moda que escraviza. Preservar os costumes que
caracterizam o povo e ao mesmo tempo depurá-los, eis a tarefa difícil do
intelectual pedagogo que deve ter aversão ao proselitismo.
Uma das grandes lições do século XVIII indicada
pelo Círculo Social era a importância
da defesa da liberdade de expressão, caminho salutar para se combater o
preconceito e contribuir ao esclarecimento público, e teria sido ainda maior,
não fosse a adoção de uma verdade predeterminada, que colocou em risco a
reflexão, a crítica e o debate aberto à possibilidade do consenso com outros clubes.
A bandeira do homem de letras na era das luzes era "abaixo a
ignorância" e, por conseguinte, abaixo o despotismo. A associação dos
amigos da verdade propôs um canal de comunicação entre os agentes da
transformação sócio-política e o povo, a "boca de ferro", urna de
sugestões que recebia a manifestação do público sobre todos os assuntos de
interesse geral, que depois eram depurados e compartilhados em várias publicações
periódicas como sendo a vontade geral.
Paradoxalmente, a noção de verdade desses
revolucionários - Bonneville e Fauchet - tinha menos de racionalidade e mais de
obscurantismo. Estava alicerçada na teoria da palavra criadora, de matriz
teológica. O "legislador" teria a missão de promulgar a verdade una,
revelar o não dito capaz de libertar o povo da tirania. A sacralização de
princípios foi uma estratégia do grupo para atrair adeptos e tentar se sobrepor
aos demais grupos políticos revolucionários. O interessante é que não se
furtavam ao debate público, condenando a censura à livre manifestação de
ideias, acima de tudo, como um sacrilégio. Mas, a opção por uma moral universal
como fundamento da política comprometeu a busca por consensos.
No contexto da "revolução brasileira", a
opinião pública é objeto de preocupação do grupo político-militar que tomou o
poder do Estado à força. Alfredo Buzaid será um dos intelectuais de vanguarda
destacado para realizar a proteção ideológica do regime instituído, seja como
escritor, orador ou legislador, de direito e de fato. Em Defesa da Moral e dos Bons Costumes, o homem de letras promoverá
a defesa da censura a todo tipo de manifestação pública contrária à moral
cristã, adotada como fundamento da política dos militares, que visavam garantir
a segurança nacional combatendo a ameaça comunista, sorrateiramente infiltrada
por intermédio da difusão de obscenidades.
À guisa de garantia à liberdade de produção
cultural, científica e artística legítimas, que manifestavam a genialidade
nacional sem ferir a moral e os bons costumes, Buzaid envereda na doutrina de
dispositivos jurídicos - parágrafo 8º do Artigo 153 da Constituição de 1969 e
Decreto-lei 1077 - que tinham a finalidade de assegurar o controle da opinião
pública e, consequentemente, o poder intervencionista. E esse controle foi tão
extremo que chegou ao ponto de se proibir uma obra antes mesmo de ser
publicada. A explanação sobre aspectos legais se fez necessário na medida em
que conceitos essenciais não foram satisfatoriamente definidos. Portanto, o
papel desempenhado pelo intelectual engajado neste caso foi de fazer
proselitismo ideológico. De certa maneira foi bem sucedido, considerando que o
regime explorou ideias do senso comum, consolidadas como parte da tradição
cultural do povo, vide o apelo à moral cristã e à longa trajetória do direito
romano cristão para manter os bons costumes.
Referencial teórico
Em Opinião Pública e Revolução: aspectos do
discurso político na França revolucionária, as publicações assinadas por
dois revolucionários franceses, Claude Fauchet e Nicolas de Bonneville, responsáveis
pelos princípios doutrinários fundamentais do Círculo Social, associação cultural bastante engajada
politicamente, indica a relevância da apropriação da filosofia política de Rousseau
durante o período revolucionário, com destaque ao conceito de "opinião
pública", que contribui para esclarecer como viam a participação do
intelectual no processo de mudança sócio-política.
Se, por um lado, o intelectual deveria ter
compromisso com a verdade e ser reconhecido por isso pelo público, por outro
lado, esse mesmo público dependia do intelectual para se tornar esclarecido,
cumprir seu papel de vigilante do poder político - sendo instituído - e, assim,
se tornar o soberano, no lugar da tirania. Portanto, para o Círculo Social o
intelectual tinha o caráter de pedagogo militante e cumpriria sua tarefa com a
própria capacidade de persuadir, visando moldar a opinião pública por
intermédio da imprensa. Vale observar que, aparentemente, à época das luzes
havia uma tendência a considerar a relação entre o intelectual e a formação da
capacidade de julgar do público. Um esforço se faz necessário, então, para
elucidar o processo de formação do conceito de opinião pública, com atenção a
um vínculo com a noção teológica de "verbo criador".
Na tradição
filosófica, o conceito de "opinião" aparece na Modernidade
relacionado à consciência que o indivíduo tem sobre a veracidade de uma
proposição, seja esta assumida como científica ou como mera opinião, mas sempre
válida; essa noção subjetiva de verdade é proposta por Hobbes.
Locke concebe a opinião como sendo incerta, por
isso inferior ao conhecimento científico; sua probabilidade de aceitação
depende da crença resultante de evidências e discursos persuasivos, mesmo que
sem segurança quanto à verdade, mas, ainda assim, constituindo a base
epistemológica da humanidade e de costumes, das tradições. Daí que com o tempo
esse conhecimento provável se consolide como certeza tradicional, a opinião que
nascera individual - subjetiva - se transformara em opinião comum; e o
conhecimento possivelmente falso adotado como verdadeiro faz com que predomine
o preconceito. Mas, há outra concepção de opinião, caracterizada como
reputação, o que depende da avaliação pública, portanto, que nasce dos outros,
do exterior para determinar o pensamento e ação do indivíduo, ou seja,
determinar a conduta moral, a virtude ou o vício. Sendo assim, Locke define os
costumes dos povos como originários da estima ou censura de ações diversas
tendo como parâmetro a "lei da opinião", manifesta pelo consentimento,
julgamento tácito dos membros da sociedade. Nesse sentido, essa "opinião
pública" ganha um status de superioridade em relação às leis civis e
divinas. Convém observar que "a opinião pública enquanto força racional
capaz de exercer uma pressão sobre os indivíduos exige, para se caracterizar
como instância julgadora, um processo de esclarecimento, um processo de
formação do público, precisa tomar o lugar do preconceito, que nada mais é do
que a perpetuação do erro como verdade." (NASCIMENTO, pág. 40)
A opinião pública aparece na obra de Rousseau
"como o conjunto dos costumes de um povo" e, nesse sentido, "não
é uma força a ser produzida pelos homens de letras. Possui leis próprias e
qualquer interferência em seus domínios só pode ter o objetivo de
preservá-la". (NASCIMENTO, pág. 28) Há então um resgate do raciocínio de
Locke, mas o cidadão de Genebra adota o conceito de opinião - estima - pública ora
como um meio de corrupção moral, tal pensamento aparece no 2º Discurso, ora como um caminho à
recuperação do humano que fora corrompido pelas relações sociais, tal como
proposto nas Considerações sobre o
Governo da Polônia.
Por um lado, a
degradação humana começa com o desenvolvimento da sociabilidade, pois o
indivíduo que antes era puro pelo isolamento passa a valorizar a estima do
outro e, com isso, a ser vaidoso, invejoso, a ter desprezo, vergonha, e essa
competição de vícios resulta na desigualdade, que comprometeu a felicidade de
todos; a sociabilidade acarretou o apreço à "consideração", o olhar
do outro, e com isso um princípio de civilidade baseado nas aparências; parecer
se tornou mais importante do que ser. Por esse viés, a estima está vinculada ao
vício por conta da alienação, do julgamento falso da aparência. Há uma relação
proposta entre estima pública e cidadania viciada; a submissão do indivíduo à
opinião pública consiste num obstáculo à liberdade, isso por não valorizar o
necessário à conservação da vida, por não empregar a razão a fim de evitar o
julgamento preconceituoso, razão que media opinião e sentimento, preservando o
que é útil e rejeitando o aparente que escraviza. Se o ser humano artificial,
condenado ao modismo do aparente enseja preferências, desejo de exclusividade e
desigualdade, urge uma educação que aprimore a capacidade de discernir, de
julgar entre verdade e aparência.
Por outro lado, a reforma da condição humana
corrompida pela sociedade da aparência é possível por intermédio do ajuste da
opinião pública, o que demanda tempo e responsabilidade com os costumes -
característicos do povo - a serem preservados. Eis a grande tarefa do
legislador, aquele que persuade sem convencer e deve atuar sobre as opiniões do
povo sem comprometer suas tradições. "Melhorai as opiniões dos homens, e
seus costumes purificar-se-ão por si mesmo".[1] E
mudar a opinião pública compreende mudar o julgamento público, considerando que
a ética resulta da avaliação humana sobre tudo o que importa, que não há uma
ética natural. Nesse ponto se nota a distinção entre o pensamento de Rousseau e
o de seus contemporâneos da ilustração francesa, pois a difusão da ciência e das
artes não resultaria no aprimoramento dos costumes, ao contrário, reforçaria a
deturpação característica da sociedade humana ao promover alterações severas e
irreversíveis. Sendo assim, a ideia de uma vanguarda intelectual com a missão
de incutir a verdade na sociedade não coaduna com um povo livre.
A ideologia da
opinião pública, no contexto do século XVIII, implicava na valorização da
liberdade de expressão, da imprensa livre, tendo em vista a formação da
soberania popular, de uma "opinião pública esclarecida pela atuação
pedagógica dos cidadãos da República das Letras". (NASCIMENTO, p. 28) Nesse
sentido, há uma proposta de verdade como fundamento da política, daí o papel do
intelectual como difusor dessa verdade para torná-la opinião pública e
instrumento de vigilância dos responsáveis pelo governo; e, ainda, uma função
sócio-política da literatura, que não deveria ficar restrita aos homens de
letras, mas propagada ao povo para esclarecê-lo. Com isso, se tornou corrente
um critério de julgamento da qualidade da produção literária: sua aceitação
pelos leitores. De tal modo que o intelectual passou a formar o público que,
por sua vez, seria o avaliador da produção cultural. Mas, essa "qualidade" não significou
um obstáculo à livre divulgação das ideias, pois, todas as opiniões seriam
valorizadas, dignas de apreciação para servirem ao esclarecimento público,
mesmo o raciocínio falso, que por negação cumpriria essa finalidade ao dar
lugar à verdade. "Por acaso a verdade alguma vez foi derrotada quando
atacada abertamente e quando teve a liberdade para defender-se? Refutar o erro
abertamente é o meio mais seguro para destruí-lo". (NASCIMENTO, p. 61) Essa
tendência de valorização da liberdade de expressão como meio de favorecer o
predomínio da verdade esteve presente nos discursos revolucionários, tanto de
escritores como de políticos, para os quais a censura serviria a propósitos
políticos desonestos.
O que aparece como
defesa do pluralismo, da diversidade de pensamento, escamoteia um autoritarismo
intocável, pois, embora haja liberdade e igualdade entre propostas distintas no
debate público, a partir do momento que prevalece o discurso considerado a
manifestação da verdade por uma das partes, não há mais lugar para a opinião
diversa, que passa a ser sumariamente condenada. Critérios variados de aferição
da verdade foram propostos, epistemológicos e políticos, mas, ao fim e ao cabo,
o que determinaria a verdade seria a imposição à força de um grupo sobre os
demais, seja por persuasão ou por violência mesmo.
Essa defesa
inconteste da liberdade de expressão estava alinhada com a promoção da
transparência na gestão pública, logo, com a defesa do livre acesso de todos a
informações de interesse público. Mas, paradoxalmente esse mesmo discurso
visava um despotismo da verdade, ao qual todos deveriam se submeter tendo em
vista alcançar a felicidade. Caberia ao escritor ser engajado no exercício da
liberdade de expressão para manifestar a verdade que formaria a opinião,
educaria o povo a manter-se atento sobre a condução da coisa pública, e, ao
mesmo tempo, deveria combater as tentativas de censura disfarçadas sob a
acusação de abuso da liberdade.
Contudo, outra
questão que permeia esse cenário é a importância do intelectual pedagogo e do
filósofo militante, que costumava ter uma linguagem técnica, rebuscada para o
povo, e que, portanto, precisaria descer das nuvens, adotar uma linguagem acessível
para que a verdade alcançasse o receptor - que necessitava ser esclarecido - e
prevalecesse na sociedade como uma moda duradoura. Claro que a intelectualidade
deveria tratar apenas de saberes úteis à prática política, nada de saber
especulativo, que não contribuiria à formação da soberania popular. Havia a
percepção de um elo entre liberdade de expressão e soberania popular; opinião
verdadeira e democracia; e, por outro lado, ignorância e tirania. Não por acaso
os revolucionários franceses propuseram reformular a opinião pública, tendo em
vista o fim do antigo regime, por intermédio de um sem-número de publicações
que condenavam a censura e funcionaram como um tribunal da verdade, conforme o
critério da aprovação popular dos discursos, que dependiam, claro, da
capacidade de persuasão do autor. Combater os preconceitos e difundir a
verdade, eis a tarefa dos homens de letras - no século XVIII - para contribuir
ao aprimoramento da capacidade de julgar do povo; assim, consequentemente
combateriam além da ignorância, a censura e a manutenção do despotismo, da
tirania.
No contexto da
Revolução Francesa, surge uma associação política que abraça a causa da
formação da opinião pública, assumindo como referência teórica o pensamento
político de Rousseau e a Bíblia cristã: o Círculo
Social. Entre as propostas revolucionárias encaminhadas pela associação -
que implicavam na formação do potencial de julgamento do público, e cuja
justificativa ideológica era baseada na ideia de verbo divino, como meio de
regenerar a humanidade - se destacavam a reforma agrária, com divisão equânime
das terras, e o exercício indireto da soberania popular entendida como
vigilância das instâncias de poder. Portanto, o aspecto pedagógico-político do Círculo Social ía além da ilustração do
povo - "visto sempre como oprimido, com sua voz abafada, ludibriado pelo
poder tirânico do rei e de seus ministros" -, do combate aos preconceitos,
tinha a pretensão de acabar com o despotismo dando voz ao povo; e não apenas em
França, pois o projeto tinha a pretensão de mudar a humanidade. (NASCIMENTO, p.
79)
O Círculo Social enfatiza o papel dos
intelectuais na difusão da "verdade" para formar a opinião pública -
e mantê-la afastada do preconceito que favorece o despotismo - por intermédio
de um sistema operacional capaz de canalizar a vontade do povo. A operação
seria implementada por caixas de sugestões espalhadas em locais de grande
circulação popular. E a vox populi
seria depurada pelos mais esclarecidos e honestos dos associados amigos da
verdade. "Ao povo desprotegido, à deriva, era preciso dar uma voz,
uníssona." (NASCIMENTO, p. 90) A ideia de soberania popular coaduna com a
ideia de justiça, ao menos teoricamente, como se nota no Contrato, mas de difícil funcionamento operacional. A "boca de
ferro" da associação foi proposta para funcionar como um canal
transparente de participação política direta do povo, sem mediação de
representantes.
Rousseau é adotado
como o filósofo - por Fauchet e Bonneville - do Círculo Social; o filósofo
suíço é a fonte da ideia de opinião pública desenvolvida pelo grupo, e de
outras ideias mais, apreendidas conforme a pertinência revolucionária, desde
que devidamente ajustadas ao contexto, ou descartadas, quando consideradas
incorretas ou inaplicáveis. Os membros do Círculo Social atribuem à filosofia
política rousseauísta a razão - em restrospectiva, como apontado por NASCIMENTO
ao estudar a crítica de La Harpe - da Revolução; a ideologia pretensamente
universal do grupo, ancorada no conceito de opinião pública, é proposta como
parâmetro para avaliar outros discursos, se posicionando "acima do jogo
político concreto" com uma verdade oriunda da doutrina da palavra
criadora. O Círculo Social propunha uma verdade preestabelecida, de caráter
universal como fundamento à formação do povo para o exercício da política,
entendida assim como um jogo condicionado por princípios, o que exclui a
possibilidade de variação discursiva, da política como resultante do embate de interesses
conflitantes em busca do consenso. Tudo se resume a uma disputa por supremacia
sócio-política, embora se posicionassem como não sendo um clube.
Algumas das críticas
ao Círculo Social remetem ao aspecto obscuro de sua "verdade", forjada
via ideia da palavra criadora e ligada à maçonaria, e à noção de política
sustentada por princípios e certos propósitos, como a defesa da igualdade das
propriedades, a despeito, por exemplo, da defesa da igualdade de direitos, tal como
proposta pelos jacobinos e os Amigos da Constituição; Bonneville e Fauchet
assumiram posição de vanguarda e cisma com outras associações mais
conservadoras.
"Amigos da
verdade e da justiça, uni-vos" tendo em vista a efetivação do ato pelo
qual um povo se faz povo, de um novo "contrato social", mas conforme
a ordem da natureza. Os líderes do Círculo
Social apropriaram os conceitos centrais do Contrato de Rousseau, devidamente corrigidos, para fundamentar seu
ideal de sociedade justa e feliz, sem tiraria. E o objetivo era começar na
França, mas espalhar a boa nova pelo mundo.
A leitura do Contrato feita por Fauchet e Bonneville
propôs um ajuste da obra filosófica ao contexto revolucionário para ser útil,
pois os conceitos apropriados comporiam uma linguagem para elucidar o
sentimento mobilizador. A ponto de, por exemplo, haver uma superação do
pessimismo de Rousseau quanto ao desenrolar da história das sociedades, atribuído
à época em que viveu, antigo regime, que eles transformam numa visão otimista
da liberdade instituída pela revolução, instrumento de redenção da humanidade à
ordem natural. Considerando o suíço um dos eleitos pela providência divina para
servir à fundação do novo pacto social francês, identificam no texto do
filósofo o diagnóstico da crise francesa, a compreensão ampla do problema
sócio-político e a solução prenunciada. Fauchet ainda combinou ideias do
direito natural com o cristianismo maçônico para explicar a sociabilidade
humana natural.
Uma das correções aos
princípios o direito político do Contrato
diz respeito à crítica da representação política, quanto ao exercício do poder
pelo povo soberano; Fauchet confunde soberania com governo para justificar a
delegação dos poderes - inclusive legislativo - a representantes. Nesse sentido, propõe o Círculo Social como veículo para a
sociedade se exprimir sobre a condução do governo e para vigiar os ocupantes
dos cargos públicos. "A soberania, enquanto ato de uma vontade coletiva,
não surge do nada. Deve ser produzida. E não se trata apenas de criar as
condições para que se manifeste. É necessário mesmo inventá-la." (NASCIMENTO,
p. 111) "A vontade geral será anárquica e confusa se não for criada
através de órgãos que a interpretem e a coloquem em ação". (La Bouche de Fer, nº 31, dez./1790, apud NASCIMENTO, p. 111) Claro que o
exercício da soberania proposto via Círculo
Social se daria efetivamente por intermédio de seus membros destacados,
dentre os mais capacitados, instruídos, que seriam os vigilantes do poder político
exercido pelos representantes do povo.
Outro conceito do Contrato apropriado pelos
revolucionários é o de "legislador", relacionado com a filosofia,
capaz de promulgar a verdade; a tarefa é assumida pelos ativistas do Círculo Social, dispostos a contribuir
com a invenção do Estado político, com a constituição da identidade do povo e com
a preservação das leis por tempo indeterminado, atuando como censores da
opinião pública para conservar os costumes. Daí a importância do ideal de
verdade como aglutinador daqueles simpáticos à unidade em torno da identidade
da nação. "O espírito de facção é incompatível com a busca e a difusão da
verdade. Por isso, o Círculo Social
deve estar acima de todas as organizações comuns, sua função é superior."
(NASCIMENTO, p. 119) A pretensão de universalidade do Círculo Social implicava
no papel de executor da vigilância pública, principalmente como censor, estando
próximo ou se confundindo com a soberania nacional para proteger a unidade do
povo.
Ainda no rol de
conceitos do Contrato apropriados por
Bonneville e Fauchet, a ideia de religião civil ou sentimentos de sociabilidade
que propiciam a unidade e o apego às leis, também será útil para explicar a
Revolução como obra da divina providência e agregar um caráter sagrado aos
princípios fundamentais do levante, tal como proposto pelo Círculo Social:
"a realização do ideal da fraternidade através do grande pacto
constituinte de uma nação livre e soberana, realização esta que depende
fundamentalmente da ação conjunta de formação e amplificação da voz pública
pela redescoberta da força da palavra". (NASCIMENTO, p. 125) "Uma
religião é necessária para sancionar todas as sagradas instituições da
pátria". (FAUCHET, C. Mandement de Claude
Fauchet. Paris, Imprimerie du Cercle Social, p.1, apud NASCIMENTO, p. 125) A religião indica e reforça a importância
da palavra criadora para a efetivação da concórdia, do novo pacto social
instituído na prática.
A teoria da palavra
criadora adotada por Bonneville é o meio eficaz para o conhecimento da verdade ocultada
e, então, para viabilizar a prática política transformadora que resultará na
felicidade universal. Missão arrogada pelos amigos da verdade, homens de letras
que, assim como os sacerdotes antigos, cuidariam de revelar os mistérios do
fogo sagrado da palavra para tornar os cidadãos livres. Vox populi, vox creatio. O cristianismo maçônico legitimava o modus operandi da participação política
do povo e a mediação inescusável do Círculo
Social. A palavra que no evangelho joanino iniciou a existência, agora
indicaria o caminho da ordem da natureza - Jeová, segundo Bonneville - à
sociedade humana. Sendo assim, a censura à liberdade de expressão consistia, além
duma tirania abominável, num sacrilégio. "Sem a liberdade da palavra não
há participação da vida do espírito. A escravidão é a ausência da possibilidade
de expressão." (NASCIMENTO, p. 136) "A palavra livre do povo, numa
verdadeira república, circula em toda parte, assim como o sangue circula por
todo o corpo. Ela é vida de um povo livre." (NASCIMENTO, p. 148)
A política é o
ambiente próprio da opinião, das opiniões divergentes que se dispõem a buscar
um consenso por intermédio do diálogo. Sendo assim, não há lugar para a verdade
absoluta, predeterminada, na disputa política, o que compreenderia uma negação
do diálogo, logo, da política, pois, a defesa de uma opinião atrelada à
"verdade", e que predomina, corresponderia à supressão de qualquer
outra opinião divergente. O que os associados do Círculo Social fizeram foi justamente estabelecer uma verdade -
preceito moral universal - como leitmotiv
da política, postura que seria útil até para justificar a violência; claro que,
nesse caso, conciliar moral e política é uma tarefa inglória, pois, ou
prevalece a moral determinada e se inviabiliza a política, ou prevalece a
política, a despeito da moral.
Estudo de um caso brasileiro. Proximidades
e distanciamentos com os homens de letras da vanguarda revolucionária francesa
"Não aceitam o conflito. Sua
palavra é uma só. Seu vocabulário é conhecido: República una e indivisível,
inimigo público, complô, traição, conspiração, forças do mal, poder das
trevas." (NASCIMENTO, p. 156)
Considerando que ações políticas de grupos
organizados visando a "transformação radical da sociedade" devem ter
uma "exigência doutrinária e ideológica" (NASCIMENTO, p. 156), parece
bem plausível considerar a "revolução brasileira" - golpe de Estado -
perpetrada por militares no Brasil, à luz de um de seus apologistas de primeiro
escalão, como a busca pelo estabelecimento de uma verdade una, uma ordem sob a
proteção de Deus, como enuncia o primeiro parágrafo da Constituição.
Em 1970, o então ministro da justiça do governo mais
violento da ditadura militar, gestão do Gen. Médici, publicou um texto
comentando o parágrafo 8º do Artigo 153 da Constituição
da República Federativa do Brasil, de 1967, bastante alterada pelos
militares em 1969. No livreto Em Defesa
da Moral e dos Bons Costumes, Alfredo Buzaid[2]
considera que "o Art. 153, § 8, estabeleceu como regra a liberdade de
pensamento e como exceção a intolerabilidade de publicações contrárias à moral
e aos bons costumes". (BUZAID, p. 2).
Art.
153. A
Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 8º É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.[3]
§ 8º É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.[3]
(...)
Deixando de lado o
modo muito questionável como fora promulgada a Carta Magna, ou sua reforma,
mas, ponderando o texto que vigorou por quase duas décadas, estabelecendo os
direitos e garantias individuais, não é possível ignorar que representou um
meio de legalizar a censura, a perseguição e a repressão, que de certa maneira
já haviam sido regulamentados pelos Atos Institucionais, outra excrescência
jurídica.
O papel do escritor,
nesse caso, em nada coaduna com o propósito pedagógico do legislador de
Rousseau, aquele que persuade sem convencer, comprometido com a formação da
capacidade de julgar do público. Seu intento de corroborar a norma que
alteraria de maneira brutal o modo de vida dos cidadãos, não contribui à
manutenção dos costumes característicos do povo, à manutenção da tradição
cultural, como se poderia considerar, pois, a aludida "defesa da moral e dos
bons costumes" compreendia meramente a defesa, a todo custo, do próprio
arcabouço jurídico militar que, por sua vez, era um instrumento de manutenção
do poder despótico. À pretensa garantia de liberdade de expressão, proposta no
parágrafo constitucional, seguia uma severa restrição às críticas -
"atentatórias à segurança nacional" - de quaisquer aspectos da ordem
imposta pela força das armas. (BUZAID, p. 6) Tanto é que o publicista não consegue
esclarecer a norma ao expor as razões da restrição, recorrendo a uma obscura
noção de "obscenidade" - e "seus efeitos deletérios sobre as
pessoas e as nações" - como pretexto à censura. E a fim de justificar a
censura, apela a um sofisma medicinal, manifesto pela autoridade de um médico
romeno desconhecido, a exemplos de outros povos que a adotaram, como alguns africanos
e europeus; e ainda, como não poderia deixar faltar, apela à ameaça comunista
internacional, que escamoteada em publicações pornográficas lograria a
dissolução da família, num primeiro momento e, então, conduziria à subversão da
ordem política. Recorre a exemplos de textos com mensagens subliminares
comunistas; cita alguns periódicos franceses que divulgavam a produção
universitária, publicados à época do levante estudantil de Maio de 1968, e que
propunham a liberdade sexual, por conta da relação do tema com as contradições
da sociedade capitalista. Ao tratar do alcance da norma acaba reconhecendo que
o sentido é de proibição total do que for "imoral" e, assim, tornar
crime a reles pretensão de publicar obscenidades.
A prioridade
ideológica do Estado de exceção era o combate ao comunismo, era o que tornava
necessário sacrificar a liberdade civil. Em troca, ofereciam a garantia da
segurança nacional. A "Constituição militar" era taxativa quanto à
condenação do indesejável, da subversão da ordem e da publicação de
obscenidades, sugerindo que se poderia aplicar a Lei sem a necessidade de
regulamentação; o governo tinha a prerrogativa de implementar a censura e a
repressão à vontade, instituindo todo tipo de órgão e práticas para um fiel
cumprimento da sua Carta Magna. Nesse sentido, foi sancionado o Decreto-lei
1077, que certamente contou com autoria de Buzaid, que estabeleceu a
"verificação prévia", censura a publicações julgadas pornográficas, subversivas,
antes mesmo de sua produção ou distribuição, sob a responsabilidade da Polícia
Federal. Com esse mote do combate ao comunismo se defendiam das acusações de
que havia a imposição de uma censura geral.
Quem estudou a teoria da informação
sabe que os periódicos, o rádio e a televisão constituem, nos nossos dias, os
meios mais eficazes para dirigir a opinião pública. É por meio deles que o
comunismo internacional atua sobre o povo, invadindo sub-repticiamente os
lares. E os seus agentes, adrede preparados, se infiltram em todos esses meios
de comunicação para transmitirem suas ideias dissolventes. (BUZAID, p. 18)
Eis o propósito
central do parágrafo 8º do Artigo 153 da "Constituição militar",
dirigir a opinião pública. Considerando o referencial teórico aqui estudado, a
"exigência doutrinária e ideológica" para esse controle do julgamento
público não é um fenômeno de "nossos dias". A atualidade do Estado de
exceção foi o discurso que agregou obscenidade e subversão como subterfúgio ao
golpe, manutenção do poder político e à censura, que prevaleceu sobre a
liberdade de expressão.
A tarefa do escritor de
justificar a ideologia de um regime que tomou o poder político com o uso da
força é árdua. Diante do amparo legal estabelecido pelos generais, reconhece
que é a doutrina que deve dirimir dúvidas a respeito da falta de definição
precisa sobre o que seria uma produção cultural obscena, contrária à moral e
aos bons costumes. Evidentemente a interpretação será a mais dilatada possível
para a censura abarcar todo tipo de mudança de costume, de padrão de pensamento
e comportamento, mesmo se tratando de uma exceção à regra, que seria a
liberdade de pensamento, como afirma Buzaid. O recurso ao código penal italiano
- o mesmo que serviu a Il Duce - para
resguardar a moral e bons costumes do cidadão brasileiro foi um aparente contrassenso,
considerando o aspecto nacionalista do propósito; além disso, nem mesmo o apoio
de comentários elaborados por dois juristas italianos[4]
torna a definição europeia mais precisa, ao contrário, era tão obscura quanto a
brasileira. A respeito de críticos ao descompasso cultural do país em relação
aos demais, responde com a tendência mundial expressa na Convenção
Internacional para a Repressão da Circulação e do Tráfico das Publicações
Obscenas, Aberta à assinatura, em Genebra, 12 de setembro de 1923, proposta pela
Liga das Nações; o Brasil se tornou signatário em 1931 e a ratificação foi
reforçada pelo Decreto 21.188/1932, assinado por Getúlio Vargas, determinando a
execução imediata do acordado em Genebra.
Com argumentos
frágeis, facilmente refutáveis, o intelectual governista logrou êxito ao
explorar e promover julgamentos comumente presentes em grande parcela da
sociedade; o dito senso comum ganhou status
de razão oficial. Não à toa "ninguém se insurgiu contra essa legislação
penal, considerando-a ofensiva aos foros da inteligência". (BUZAID, p. 24)
Se
os revolucionários franceses amigos da verdade recorreram à doutrina do verbo
divino para credenciar sua prática política, o intelectual da "revolução
brasileira", que propôs a defesa da moral e dos bons costumes como prioridade
do Estado, vinculou esse propósito a princípios cristãos, tendo em vista se
posicionar "acima do jogo político concreto". A reprovação de
obscenidades compreendia preservar a "civilização cristã"; a
concórdia entre os cidadãos seria forjada por intermédio da mesma religião que
serviu para agregar diferentes povos em todo o enorme território e em toda a
história do que se tornou "brasileiro". Ao considerar que "bom
costume é a moralidade pública, que não se pode contrariar sem cair na
desestima social"[5] e
serve de fonte ao estabelecimento do direito, das leis, retoma a tradição
legislativa romana cristã, lembrando que "por sua base ética, que deu
larga aplicação dos princípios morais no campo sexual mediante uma série de
providências, que objetivavam não só a reprimir penalmente, mas ainda a
prevenir tudo que pudesse ser atentado ao pudor ou tivesse caráter de
obscenidade, evitando por tal modo o incitamento ao pecar". (BUZAID, p. 36) Lembra ainda
que a pudicitia no direito romano
cristão não se restringia ao tratamento da questão sexual, mas, sobretudo, da
"correção no cumprimento dos deveres que estão fora do direito, a honra e
a consideração pública"[6].
A combinação do direito romano com o determinismo
moral cristão serviu de base a um modelo de ordenamento jurídico, mas, no
século XIX, quando prevaleceu o positivismo jurídico, passou a vigorar a tendência
do rompimento entre a moral cristã e o direito, o que se consolidou com a
teoria marxista e a ideia de centralidade da economia, postulando o direito
como instância subalterna "do sistema de produção"; como se não
bastasse, esse marxismo ainda propôs a supressão do Estado e de suas normas
jurídicas. (BUZAID, p. 37)
Uma das consequências dessa ruptura entre moral e direito foi o recrudescimento
da "pornografia, utilizada como instrumento político de desagregação
social". (BUZAID, p. 38)
E o descalabro fora diagnosticado inclusive pelo Papa Pio XII, que alertou
sobre a ameaça das manifestações de imoralidade sobre o mundo católico e, por
isso, recomendou a recuperação do vínculo entre a moral cristã e o direito. A
moral como fundamento do direito seria o modo de educar a opinião pública, de
retificá-la para preservar a família brasileira; e isso indicado pela autoridade
de um Pontífice. E assim fica esclarecida a fonte de inspiração do legislador-mor
do general Médici, o magistrado Alfredo Buzaid.
Conclusão
A opinião pública manteve certo grau de autonomia,
foi relativamente contemplada pelas "vanguardas revolucionárias",
tanto é que houve um nível expressivo de corroboração popular dos discursos
regeneradores, haja vista, por exemplo, a presença de grande público
interessado nas conferências do abade Fauchet e o nível de colaboração e
aprovação aos governos militares, entre 1964 e 1985, inclusive após o fim do
regime. Além disso, a opção por princípios cristãos não foi fortuita em ambos
os casos.
Houve uma discrepância crucial entre esses dois
movimentos aqui aludidos. Enquanto Bonneville e Fauchet defenderam de forma
inegociável a liberdade de expressão e condenaram a censura, como parte de sua
ideologia e estratégia de ação, Buzaid optou pela justificação da censura ampla
em nome da moral. Posto isso, em decorrência desses posicionamentos, os franceses
defenderam mais informação e menos despotismo; o brasileiro defendeu mais moral
e menos insurgência. Àqueles interessava a imprensa livre para expressar a
vontade geral dos cidadãos, emancipados por essa condição de acesso ao
esclarecimento público. A este mais valia a verificação prévia do publicável
para depurar o que seria pertinente ao interesse público.
Mas, tanto os revolucionários franceses, aqui
mencionados, como os revolucionários brasileiros, representados por Buzaid,
negaram a política em nome de uma verdade absoluta, de caráter sagrado. Venceu
a moral, perdeu a política.
Bibliografia
BUZAID, Alfredo. Em defesa da moral e dos bons costumes.
Brasília, Ministério da Justiça, 1970.
Constituição
da República Federativa do Brasil, de 1967. Atualizada Pela Emenda Constitucional Nº 1, de
1969. 17ª ed. São Paulo, Saraiva, 1979. (Legislação Brasileira)
NASCIMENTO, Milton Meira do. Opinião Pública e Revolução: aspectos do
discurso político na França revolucionária. São Paulo, Edusp/Nova Stella,
1989.
[1]
ROUSSEAU, J.-J. Considerações sobre o
governo da Polônia. Tradução, apresentação e notas de Luiz Roberto Salinas
Fortes. São Paulo, Brasiliense, 1982; p. 89, apud NASCIMENTO, Milton Meira do. Opinião Pública e Revolução: aspectos do discurso político na França
revolucionária. São Paulo, Edusp/Nova Stella, 1989. p. 53.
[2] "Em
1960 foi nomeado pelo Governo Federal para elaborar o Anteprojeto do Código de Processo Civil, o
qual acabou sendo apresentado por ele quatro anos depois. Em 1966, assumiu o
cargo de diretor da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo. O exercício nas
funções de Diretor foi interrompido duas vezes, por ter de assumir a Reitoria
da Universidade de São Paulo, em cujo exercício permaneceu cerca de um ano. Em
1969, foi nomeado vice-reitor da Universidade de São Paulo. Em 1967, por ato do Ministro da Justiça, foi nomeado
Coordenador da Revisão dos Códigos Civil, Penal, Penal Militar, de Processo
Penal, de Processo Penal Militar, de Sociedades, de Títulos de Crédito, de
Navegação Marítima, de Contravenções Penais, de Execuções Penais. Em
outubro de 1969, foi nomeado Ministro da Justiça, sendo um dos mentores intelectuais do Código de Processo Civil que entrou em vigor em 1974. Permaneceu no Ministério da Justiça até 14
de março de 1974." Dados biográficos obtidos de http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stf&id=18, em
10/06/2015. O texto de sua autoria ora analisado é a publicação de uma parte da
série de conferências apologéticas à doutrina da segurança nacional: I- Rumos
políticos da Revolução Brasileira ; II- Em defensa da moral e dos bons
costumes; III- Marxismo e Cristianismo; IV- O Estado federal brasileiro; V-
Renovação da Ordem Jurídica Positiva. Foi membro da Association Henri Capitant des amis de la
culture juridique française e da Associação Italiana
de Processo Civil.
[3] Constituição da
República Federativa do Brasil, de 1967. Atualizada Pela Emenda Constitucional Nº 1, de
1969. Emenda promulgada pela junta Militar que
governava o Brasil:
Augusto Hamann Rademaker Grünewald, Aurélio de Lyra Tavares e Márcio de Souza e
Mello, ministros da marinha, exército e aeronáutica, respectivamente.
[4] MANZINI, Vincenzo. Diritto Penale Italiano; e MAGGIORE, Giuseppe. Diritto Penale. Citado por BUZAID, p. 22.
[5] Raciocínio proposto por RUGGIERO e MAROL. Instituzioni di Diritto Privato. Citado
por BUZAID, p. 35.
Nenhum comentário:
Postar um comentário