Creio que provavelmente uma das boas
contribuições que o filósofo Gaston Bachelard legou para a posteridade filosófica
tenha sido seu conceito de “obstáculo
epistemológico”. Porém, quando se busca apreender na obra epistemológica do
filósofo francês o sentido dado pelo mesmo ao conceito de obstáculo
epistemológico, a primeira impressão é, para a maior parte dos leitores, que não se trata de uma; mas de várias definições para o mesmo conceito. Entretanto, arriscamos a afirmar
que muito embora, sob certo aspecto, o filósofo faça realmente variar "os conceitos", de tal sorte que não se possa eliminar de maneira definitiva esta impressão, muito provavelmente ela é um tanto apressada.
Estas "supostas" variações podem ser equivocadamente extraídas sobretudo de uma consulta rápida e superficial a algumas de suas obras; porém, uma análise mais detida pode revelar justamente o contrário, isto é, seu verdadeiro intento.
É o que se pode inferir daquelas obras onde o epistemólogo abordado o tema de maneira especifica, como, por exemplo, na obra A formação do espirito científico, de 1938. Porém, seu desapego a fixidez, a rigidez dos conceitos constitui justamente o aspecto intrinsecamente polêmico, que marca de uma obra que tem no conflito, na desconstrução e na ressignificação dos conceitos sua característica fundamental.
É o que se pode inferir daquelas obras onde o epistemólogo abordado o tema de maneira especifica, como, por exemplo, na obra A formação do espirito científico, de 1938. Porém, seu desapego a fixidez, a rigidez dos conceitos constitui justamente o aspecto intrinsecamente polêmico, que marca de uma obra que tem no conflito, na desconstrução e na ressignificação dos conceitos sua característica fundamental.
Ora, se como define o filósofo “uma ideia clara dentro de um domínio de
investigações pode deixar de iluminar em outro domínio” (BACHELARD. El compromiso), a ressignificação dos
conceitos deve caracterizar o trabalho essencial e primeiro do exercício
filosófico.
Por esta razão, quando o sujeito
ingênuo presume um conhecimento adquirido, imagina-o muitas vezes como um
edifício rigidamente construído, cuja estrutura jamais poderá ser abalada.
Pensa ter chegado a um principio da razão, semelhante àquele principio
cartesiano do cogito. Dentro da
lógica epistemológica de Bachelard, esta ideia é a um só tempo sedutora e
perigosa.
Perigosa, sobretudo para o homem
que se pretende contemporâneo da ciência.
Aqui esta a contribuição e a razão
da índole polêmica da filosofia cientifica de Gaston Bachelard. Para o filósofo
cada novo conhecimento na ciência altera toda a estrutura da ciência o que
exige por sua vez uma ressignificação dos conceitos, principalmente, no campo
da filosofia da ciência, suponde que esta disciplina pretenda manter-se em dialogo
constante com o conhecimento científico de seu tempo.
É interessante observar que esta
proposição feita primeiramente por um filósofo da ciência no início do século
XX, tenha consonância com os avanços científicos atingidos por um ramo
inteiramente novo do conhecimento e da ciência que é a neurociência.
Segundo descobertas recentes da
neurociência cada novo conhecimento adquirido pelo sujeito, afeta de forma
estrutural sua mente, ou seja, sua composição neuronal. Basicamente, é como se
a entrada de um novo elemento (conhecimento, informação ou dado) levasse a uma
completa reorganização da estrutura cognitiva como um todo - esta característica
recebe o nome de ‘plasticidade neural e cognitiva’.
Há nessa descoberta a
desconstrução definitiva da imagem do conhecimento como edifício. A partir
daqui o conhecimento ganha, como postulava Bachelard, uma forma móvel, uma
estrutura complexa e dinâmica, sujeita a constantes ressignificações. Conforme
o filósofo: “O conhecimento científico se
constrói em reconstrução, isto é, na medida em que destrói aquele conhecimento
já edificado.” (BACHELARD, Le nouvel esprit scientifique)
Neste sentido, o conservadorismo é
identificado não somente como uma categoria perniciosa em suas vinculações
culturais, mas principalmente em suas vinculações epistemológicas. Numa de suas
denúncias o filósofo afirma que conservadorismo e avareza são categorias
solidarias que constituem verdadeiros obstáculos epistemológicos, como se pode
verificar no trecho a seguir:
“Mesmo na mente lúcida, há zonas
obscuras, cavernas onde ainda vivem sombras. Mesmo no novo homem, permanecem
vestígios do homem velho. Em nós, o século XVIII prossegue sua vida latente;
infelizmente, pode até voltar. Não vemos nisso, como Meyerson, uma prova da
permanência e da fixidez da razão humana, mas antes uma prova da sonolência do
saber, prova da avareza do homem erudito que vive ruminando o conhecimento
adquirido, a mesma cultura, e que se torna, como todo avarento, vitima do ouro
acariciado.” (BACHELARD, A formação.)
Deste modo, podemos concluir por
hora que a aparente falta de unidade, a aparente indefinição dos conceitos em
Bachelard tem um proposito absolutamente claro, indicar um caminho para uma
epistemologia parceira da ciência de seu tempo. E portanto, sua complexa definição
do conceito de obstáculo epistemológico pretende atender uma exigência
metodológica sua – harmonizando a definição ao contexto de construção ou
descoberta do conhecimento científico.
1934. Lê nouvel esprit scientifique. Paris: PUF. (Tradução brasileira de Joaquim José Moura ...(et al.). –
2ª ed. – São Paulo : Abril Cultural, 1984. Col. Os Pensadores)
1938. La formation de lésprit scientifique: contribution à une prychanalyse de la
connaissanceobjective. Paris: Vrin. (Tradução brasileira de Estela dos Santos Abreu. – Rio
de Janeiro: Contraponto, 1996.)
1972. L’engagement rationaliste. Coletânea
póstuma de textos, prefácio de G. Canguilhem, PUF. (Tradução espanhola de Hugo
Beccacece. – Mexico: Siglo Veintiuno, 1985.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário