quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Ciência, educação e opinião

O sujeito da irracionalidade defende com veemência o direito de "opinar", buscando elevar o preconceito e a ignorância ao mesmo status que possui o conhecimento científico, a razão, a sabedoria e o bom senso. De forma consciente ou inconsciente, porém, seu procedimento promove a deterioração da democracia uma vez que sob o pretexto de defender um princípio democrático submete ou suprime o intelecto e a razão. Todavia, deixar prevalecer a opinião infundada sobre os fatos e os dados objetivos da experiência, da pesquisa, equivale no campo da ciência a deixar prevalecer a força sobre a razão.
É preciso estar atento.
Eis o perigo e eis o cenário da luta a qual estamos expostos.
Nosso papel de educadores, neste sentido, nos convoca a ter uma atitude altiva com relação ao enfrentamento e ao combate das irracionalidades em suas várias vertentes e feições. _Da minha parte a única coisa do campo dos instintos que reconheço e admito prevalecer sobre os fatos e os dados da experiência é o amor, por que como diz Nietzsche, só o amor está sempre além do bem e do mal. Excetuando essa situação idiossincrática, o que muitas vezes não se percebe ao aceitar, ao tolerar o discurso irracionalista como parte do jogo democrático é que em seu interior subjaz a sombra do autoritarismo, da intolerância, do preconceito e consequentemente o embrião de toda discriminação e exclusão social.
A má formação científica entre os educadores tem sido apontada não raras vezes como uma das principais causas do déficit educacional em nosso país. Segundo alguns especialistas, esta deficiência é o que se revela nos baixos índices alcançados por nossos estudantes em exames nacionais e internacionais de verificação do nível de conhecimento (também se revela nos números alarmantes adeptos de teorias conspiratórias que se espalham pelas redes sociais). Embora entrem em jogo nessas avaliações outros aspectos sociais que não só a aprendizagem sistemática é preciso admitir que esta deficiência na formação dos educadores possa ser sim considerada um dos relevantes obstáculos ao desenvolvimento da educação e ao enfrentamento dos problemas que nos cerca e relega nosso povo a um perpétuo estado de subdesenvolvimento.
Obviamente, não é a educação nem são os professores os principais ou os únicos responsáveis por esse estado de coisas ou por sua absoluta resolução. Antes e, sobretudo, é preciso exigir uma efetiva atuação do Estado na elaboração de politicas públicas que promovam as transformações estruturais e substanciais necessárias (Entra as quais a melhoria dos salários é sem sombra de dúvidas um fator preponderante). No entanto, não há como negar o papel de protagonismo que está reservado à educação na superação das desigualdades e do obscurantismo que solapam nossa sociedade ameaçando nossa liberdade e nossa democracia.
É neste sentido que afirmo que contra as crenças obscurantistas transfiguradas sob o signo da "opinião" devemos opor a força iluminadora da razão, a análise criteriosa e objetiva dos fatos e da realidade, o saber cético e crítico da ciência, da razão e da reflexão radical e crítica.
Enfim, não podemos e não devemos ser tolerantes com a intolerância mesmo aquelas transfiguradas numa aparentemente “inofensiva opinião”.

sábado, 17 de novembro de 2018

Avareza

"Não é difícil convencer os seres humanos a quererem mais. Humanos cedem facilmente a cobiça".*

Ser avaro na idade média era considerado uma "coisa ruim", isto é, atribuía-se um valor moralmente negativo para avareza. Desta forma, continha-se a cobiça e a sociedade seguia adiante razoavelmente equilibrada, quer dizer, pobres e pequenos comerciantes eram contidos em seu impeto de consumo enquanto a nobreza gozava e ostentava seu luxo.

Mas a modernidade inverteu esse antigo valor moral, inverteu o mundo. Uma vez que na modernidade a cobiça exerce um papel importante ao impulsionar a produção industrial e comercial. 

Neste cenário a avareza torna-se um valor positivo. O mundo moderno, portanto, ira promover um verdadeiro culto da cobiça já que neste novo cenário ela constitui o verdadeiro motor para o desenvolvimento econômico.

*(Cf. Yuval Harari)

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O Sacrifício


O Sacrifício
O projeto econômico do novo governo se encarado de forma absolutamente isenta, se encarado de maneira formal, pode de fato ser considerado absurdamente racional (poderíamos ter usado a expressão – estupidamente racional, sem temer cometer qualquer excesso linguístico, qualquer erro. Se e somente se os leitores tomassem ao pé-da-letra a interpretação das palavras, dos signos; quero dizer, supondo que a leitura fosse também e tão somente um ato estritamente racional – assim sendo; teríamos, portanto, uma interpretação literal dos termos. Mas será?). Isso se ignorássemos todas as “circunstancias politicas” que cercam os atos de uma administração pública, os atos de quem governa um país, uma república. Somente nessa hipotética e improvável circunstancia, poderíamos encará-lo assim: Um projeto absurdamente racional (estupidamente).

Por conseguinte, ‘o Brasil do futuro’, imaginado nesse, ‘digamos’, arrojado projeto econômico será um país para poucos. Ora, pode-se considerar que seja um projeto econômico em amplo aspecto. É o próprio Paulo Guedes quem expressa de forma direta e contundente, sem rodeios, essa necessidade. Ao menos foi o que quis transparecer ao afirmar em entrevista recente que “terá que haver sacrifícios!”.

A receita é relativamente simples, se há um “mal” a ser espiado numa sociedade tribal/oligárquica, há que haver um sacrifício. Não obstante, quando se fala em sacrifícios em um país como o Brasil nunca se quer dizer de fato ‘o sacrifício de todos’; e, se há sacrifícios, também devemos considerar que historicamente é sempre o corpo a ser molestado, açoitado, flagelado. Mormente, os corpos imolados nunca são os corpos das elites; mas enquanto outrora era o corpo dos negros, dos índios, dos degredados, hoje tomam seus lugares os corpos dos pobres, das minorias, dos trabalhadores. Isso simplesmente por que, numa democracia, o povo é o corpo.

Essa divagação nada tem de oposicionista, de pessimista, de moralista, não aspira sequer fazer simples crítica ao projeto. Exercita no máximo uma reflexão breve e objetiva do que está em jogo (estou em dúvida se se trata de uma fria ou apaixonada observação). É provável, e acredito nisso com um bom grau de franqueza, que se o economista levar a termo seu projeto, ao final e ao cabo, o país terá sido passado a limpo. Teremos, enfim, nossa pequena revolução burguesa, projeto retardatário de modernidade.

Mas não há como ignorar que há um preço a ser pago. Por aqui e por ali, como quem lança pistas, o economista vai revelando indícios; vai revelando seu preço: “salvar a indústria, apesar dos industriários”. Do mesmo modo, e por extensão poderíamos entrever proposições tais como “salvar a agricultura, apesar dos agricultores”; “salvar o comércio, apesar dos comerciantes”. E, por fim, quem sabe “salvar o Brasil, apesar dos brasileiros” (alguns pelo menos). É e sempre foi assim, não na pequena história do Brasil, mas na grande História, na história dos povos, da humanidade.

Por fim, o mundo segue adiante, apesar dos sacrifícios. Aliás, para concluir, não seria incorreto observar que o 'arrojado projeto econômico' pressupõe uma coerência lógica tecnicista, lógica que parece seguir um principio básico da física: “não é possível acelerar, mudar de trajetória, ultrapassar determinados limites num corpo em movimento inercial senão abandonando um tanto de carga”. Senão deixando para trás um pedaço do seu próprio corpo. Que significa isso, senão um sacrifício!?